Quando nosso vira-lata Fantasma morreu, a tia trouxe de presente aquele bichinho cinzento de espertos olhos azuis. Chorava a noite inteira, incomodava os vizinhos e mais ainda aos donos (nós). Logo começou a morder tudo e todos. Não era bem MORDER, era mais um frenético mastigar. Houve época em que todos da casa tinham alguma marca dos dentinhos dele. Agitado, barulhento, hiperativo. Cresceu mais do que imaginávamos. Numa brincadeira, quebrou o nariz do Leo, que teve de passar por uma cirurgia dolorosa. De outra feita, ao vermos algumas moscas varejeiras voejando no jardim, desconfiamos de que havia algo errado. Simplesmente, ele havia desenterrado um enorme gato, já em estado lastimável, e levado pra dentro da sua casinha. Havia matado o bichano já a alguns dias e sepultado o pobre num enorme buraco escavado num canteiro debaixo de margaridas. Foi uma luta convencê-lo a deixar um horrorizado Danilo e a empregada fazer a necessária faxina, com sacos plásticos pra embalar o dito gato, cloro, vassoura e muita água. Adorava passear. Era ver alguém de tênis pegando a guia para entrar em desespero. Latia, corria para o portão, voltava para quem, talvez o levasse para correr ou caminhar. Desobediente, ameaçava morder quando era contrariado. Quando entrava dentro de casa, só saía se ganhasse um pão ou um biscoito, senão arreganhava os dentes, cheio de atitude e razão. Não aceitava ficar preso na corrente. Protestava, latindo para o quarteirão todo ouvir. Mesmo assim era considerado um habitante da casa. Era da família. Ninguém confiava que ele não ia avançar e mesmo tendo sido adestrado, não era fácil fazê-lo obedecer, em determinadas situações. Era grande demais. Pesava mais de 40 quilos, sem ser gordo. Volta e meia era levado ao veterinário para resolver algum probleminha de saúde. O mais importante era o fato de morder, insistentemente, as pernas e pés, dando vazão ao estresse crônico. Tentamos por duas vezes arrumar uma namorada pra ele, mas era muito exigente e não agradou das "garotas". Cada vez que era deixado sozinho, uivava como um lobo das estepes, atormentando o bairro inteiro. Claro que a gente não sabia, pois quando chegava alguém, era só alegria, pulos, abanos de rabo, respiração ofegante. O Leo era o dono, escolhido por ele. Adorava quando sentia a presença daquele que lhe dava atenção gratuita, carinhos, garrafas pet para brincar.... Que rolava com ele no chão, o levava para correr na avenida, tratava dos seus machucados, lhe dava banho e afagos... Eu nunca tive muita intimidade com cachorro. Mas admirava aquele animal magnífico! Bonito como poucos, forte, indisciplinado, carente.... Seu olhar "pidão" dizia tudo. Parecia que, um dia, ainda ia aprender a falar. Pela manhã, quando acordávamos, ia buscar o jornal, que trazia a galope. Um amigo nosso dizia que ele mais parecia um Mangalarga Marchador. Quando cheguei do hospital, na cadeira de rodas, durante um bom tempo, ele só cheirava o meu pé direito, que ficou insensível, por causa de uma hérnia de disco. À medida que fui melhorando ele parou com isso. Por que será? Cheirava, deitava perto de mim e ficava ali, me olhando com seus olhos cor de âmbar, numa tristeza infinita, acompanhando a depressão, que naquela época, insistia em me acompanhar. Dia vinte e nove de fevereiro ele teve um desmaio, não conseguiu mais ficar em pé. Foi levado para a clínica e, no dia três de março, teve de ser sacrificado. Esse Weimaraner que viveu conosco durante nove anos, será sempre lembrado como um ser especial. Voluntarioso, desajeitado em alguns momentos, extremamente elegante em outros o Astor foi um bom e fiel companheiro.
Esse post vai para o Leo que sempre foi o fiel amigo desse cão e pra Bebela, que não queria que o "AUAU" fosse pro céu.