sábado, 22 de dezembro de 2007

NATAL - De perus e Internet

"Ninguém morre antes da hora, a não ser o peru, que morre na véspera (do Natal)"


Acabo de ver decretada a extinção do famoso livro (ou caderno) de receitas. Resolvi pedir uma ajudazinha ao Google para um peru de Natal mais sofisticado. Cansei do peru à brasileira, com farofa de ovos ou torresminhos de bacon. Não quero peru à Califórnia, com aquele indefectível doce de pêssego, ameixas pretas e cerejas. Quero inovar. Surpreender meus amigos. E não é que eu é que fiquei surpreendida? Imaginem que só de peru são mais de quinhentas e noventa e cinco mil receitas. Pode conferir. Tem peru pra todo gosto. Recheado com camarões, com couscous marroquino, com molho de funghi, com carne de porco. Com maçãs caramelizadas, com gorgonzolla, ou castanhas. Desossado, fatiado, dourado. Com cobertura crocante ou cremosa. Tem uma receita do Alentejo (Portugal) sugerindo que o peru ficará mais gostoso, se obrigado a voar antes do abate. Ele deve ser embriagado com uma boa talagada de pinga, ou whisky de boa qualidade para amaciar a carne e deixá-la suculenta. Como pode a pobre ave voar completamente bêbada??? Descobri ainda, durante essa pesquisa, a história do peru. Ele é originário da América do Norte. Foi lá que Colombo ficou conhecendo o dito cujo. Até hoje os perus selvagens são muito apreciados na terra do Tio Sam, principalmente durante as festas de Ação de Graças.
Aqui, na Terra Brasilis, consideramos indispensável , às vezes obrigatório, assá-lo para a ceia de Natal. Não sei bem porque, pois o peru que assamos dia 24, com certeza estará na geladeira no dia 31 para ser reciclado para as festas de Ano Novo. Apesar de muitos não quererem comer bicho que cisca pra trás, pra não atrasar a vida no ano que se inicia.
Voltando à receita de peru assado, fiquei perdida entre tantos sites e chefs, receitas e explicações pouco convincentes. Resolvi então comprar um já bem mortinho, macio, previamente embebedado pela Sadia ou Perdigão e com um termômetro que pula quando ele estiver assado. Na hora eu resolvo o que fazer. Coloco por cima alguma coisa que tiver na geladeira e por dentro qualquer coisinha que tiver no armário. Fica mais fácil que procurar ler e entender mais de meio milhão de receitas (só em português, ouviu bem?). Se você domina outra língua vai ter um pouco mais de opções. Também resolvi que vou jogar fora todos os meus caderninhos de receitas copiadas da vovó, da mamãe, da Ofélia e da Ana Maria Braga. Vou sempre apelar pra internet, mesmo que os almoços de domingo não fiquem lá grande coisa. É bem mais moderno e atual. Experimental. Virtual...


Esse post vai para o Cristiano que não concebe uma ceia de Natal sem o famigerado peru e para a Raquel que não sabe o que fazer com aquele, que está na geladeira esperando para ser assado ainda em 2007.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

HISTÓRIAS INFANTIS - Quanta sutileza!

" Eu sou o lobo mau, lobo mau, lobo mau. E pego as criancinhas pra fazer mingau.""


Recebi de uma amiga uma dessas mensagens que nos faz pensar sobre as bobagens que falaram com a gente quando éramos crianças e que repetimos aos nossos filhos e agora aos nossos netos. A tal mensagem analisava as letras das musiquinhas infantis brasileiras. O boi da cara preta vai pegar a pobre criancinha que tem medo de careta e a famigerada Cuca agarrar o nenen cujo pai foi pra roça e a mãe foi trabalhar. Que irresponsáveis!
Atirei o pau no gato é outra pérola. Mesmo não morrendo da paulada, o bichano e seu berro sofrido causam a admiração na tal da Dona Chica-ca-ca. A discriminação e a desigualdade social são cantadas em prosa e verso quando eu sou pobre, pobre, pobre e me afasto dando marré de si. O Bitu não vem cá, porque morre de medo de apanhar. E se não me engano isso está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente... E dá cadeia. Quando a canoa virou foi fácil botar a culpa na Maria que não soube remar, incentivando o mal caratismo. A pobre da Sambalelê está doente e com a cabeça quebrada e mesmo assim vai levar umas boas palmadas. A arrogância, talvez do sargento, manda o soldado marchar direito, senão vai preso pro quartel, lembrando os anos da ditadura militar.
O Cravo brigou com a Rosa e ficou ferido , chegando a desmaiar. A Rosa pôs-se a chorar, mas o mal já estava feito e como em briga de marido e mulher ninguém deve meter a colher...
Ao pensar um pouco nas trágicas letras dessas inocentes musiquinhas, comecei a lembrar das histórias que contamos para as crianças e que, há tempos, nos contaram também.
A mãe do Chapeuzinho Vermelho manda a pobre menininha para a floresta, mesmo sabendo que lá mora um terrível lobo mau. A Branca de Neve, é levada para a floresta por um caçador serial killer que vai arrancar o coração de seu peito para entregar à cruel madrasta. Ela consegue escapar e vai morar com sete anões (talvez tarados), até ser envenenada e beijada por um príncipe bicha (se ele usava aquelas calças apertadinhas e capa esvoaçante, era bicha com certeza). Mesmo sendo quem é, o tal príncipe se casa com ela sem questionar a vida promíscua que ela vinha levando com os sete homenzinhos na floresta. Um espanto!
Os pais de João e Maria os abandonam numa outra floresta (num claro ato de abandono de incapaz). Ali eles ficam à mercê de uma bruxa antropófaga que gosta de carne gorda. Lembro ainda da Rapunzel, mantida em cárcere privado por anos a fio, da Bela Adormecida drogada (e talvez abusada) em seu casto leito virginal e assim por diante. Isso tudo sem falar nos Três Porquinhos, que acabaram "cozinhando" o lobo mau (que é um animal em franco processo de extinção - e extinção é para sempre). O Gato de Botas era um farsante que se deu bem, provando que a mentira e a canalhice combinam com qualquer um, não só com os políticos... O Pinóquio era mentiroso, traidor e cheio de problemas de comportamento, apesar dos esforços do Grilo Falante para colocá-lo na linha...
Acho melhor parar por aqui. Chego a conclusão que os traumas de infância estão bem justificados, assim como a violência das crianças, a falta de limites e o desrespeito pelo que é certo...
Esse post vai para a Narinha, musa inspiradora do Márcio, tocador de rebolo

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

A MENINA DO AFEGANISTÃO

" Por todas as crianças que sofrem os horrores das guerras, do preconceito e do fanatismo, arrancando um pedaço do coração da gente, rogai por nós"


Menina do Afeganistão que ficou olhando pra mim na foto do jornal, como se pedisse socorro contra as bombas, os mísseis e contra as ordens do Talibã que já estabeleceram para ti um destino cruel: - Não mostrarás o teu rosto quando cresceres. Não terás direito algum. Não sonharás nenhum sonho de todas as moças do mundo. Não poderás estudar. Nunca estarás no meio das canções dos estádios, no meio dos debates literários, nas lanchonetes e nos cinemas dos shoppings. Jamais estarás na minha festa nem na minha alegria.
Eu vejo e peço a Deus e a Alá que te protejam contra as bombas, a fome e as ordens da milícia Talibã. Eu invoco a Deus e a Alá, para que te protejam. Deus dos humilhados e dos ofendidos. Deus dos aflitos e dos desprotegidos. Alá das crianças e dos beduínos, dos camelos e dos sonhadores do mundo árabe. Alá dos que carregam um sonho no coração como um vulcão clandestino.
Deus ou Alá tirai um pouco de mim para dar à menina do Afeganistão. Tirai do meu pão. Da minha alegria. Polvilhai a menina do Afeganistão com a minha esperança. Levai minha paz para a menina do Afeganistão. Eu vou jejuar por ti, vou sonhar e rezar por ti. Vou pedir a Deus e a Alá que ti façam mais forte que a fome e que a guerra. Mais forte que a tirania.
Aviões dos donos do mundo, guardai vossas bombas em nome da menina do Afeganistão!
Mísseis dos senhores da terra, adiai a morte em nome da menina do Afeganistão!



(Adaptação da crônica de Roberto Drumond, publicada no Estado de Minas de 9 de outubro de 2001)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Eficiência Postal


"Pobre daquele que não guardou consigo um pouco de bom humor."

- Há muito que eles deveriam ter mandado o tal remédio! O menino não se agüenta mais com essa chieira no peito. Essa asma está acabando com ele!
Januária, alarmada com a última crise do sobrinho, resmungava enquanto colocava os pratos e talheres na grande mesa da sala de jantar.
-Pensando bem, há mais de dois meses que eu escrevi ao Gonzaga pedindo urgência nessa remessa, e até agora nada. Primeiro dizem que o tal pozinho é milagroso, barato, fácil de encontrar... Agora ficam nessa demora?
- Calma tia, Portugal não fica ali na esquina. Talvez eles tenham tido alguma dificuldade burocrática para remeter o remédio. Mais dia menos dia, sua encomenda chega e o “queridinho” vai ficar bom de vez. Agora o que eu quero mesmo é comer, porque a fome é negra - disse Beto, o mais sensato dos três rapazes.
Januária continuou a resmungar contra o irmão que morava em Lisboa, como se ele pudesse ouvi-la.
Passados uns quinze dias dessa conversa e da última crise do “queridinho” chega um aviso dos Correios, que lá se encontrava um pacote e que o mesmo deveria ser apanhado pelo destinatário.
Beto se prontificou a ir buscar a tal remessa.
Januária, logo que abriu o embrulho se deparou com um pequeno estojo de madeira, bem embalado e com tampa de metal, contendo um pó escuro e fino. Cheirou, tornou a cheirar e comentou: - Não fede nem cheira!
Procurou alguma instrução, carta, bilhete... Nada!
- Parente é mesmo gente imprestável! Agora que mandaram o remédio temos de adivinhar o resto.Tem nada não! Uma colher de chá pela manhã, ao acordar e outra colher à noite, antes de dormir e o pobrezinho não vai mais padecer com essa moléstia dos infernos.
- Realmente... O menino não teve mais nenhuma noite em que o ar era buscado freneticamente, a boca aberta, os olhos injetados, o peito arfante. Engordou, estava corado e saudável. Foi um milagre o santo pozinho!
Januária, feliz, não se cansava de contar aos amigos e vizinhos. E já faziam três meses! Todas as manhãs e todas as noites, religiosamente, uma colher de chá remédio, vindo da “terrinha”.
O telegrama do Gonzaga chegou avisando que desembarcaria no Rio e, na segunda-feira, estaria com os parentes para contarem as novidades e colocarem os assuntos em dia.
Foi um rebuliço! Todos queriam ver o tio que há tanto tempo se fora para terras distantes. O almoço, preparado com carinho, a cachacinha do norte de Minas, a sobremesa de doce de leite com queijo fresquinho e o cafezinho servido na bandeja, na grande varanda. Todos conversando e o Gonzaga a fumar um enorme charuto, hábito adquirido em outras terras: - Pois é... agora teremos de decidir o que vamos fazer com as cinzas da tia Eufrásia que enviei a vocês. Coitada! Estava tão velhinha... Mas como expliquei “naquela carta”, ela pediu em seu leito de morte que não queria ser enterrada longe da pátria que ela tanto amava!

Escrevi essa crônica no Acuruí, em 1986 . Foi publicada no Estado de Minas, no mesmo ano.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

VIDA, MORTE, VIDA


"Deus não deu às mães o dom de transmutar o mal. De vencer os guerreiros da morte..."

Não. Não quero chorar por ele que foi tão cedo.

Deixou uma mulher sofrida e exausta, uma filha adolescente desesperada e um garotinho que ainda não entendeu que a morte é para sempre...
Sua mãe era a imagem da dor. O pai andava sem rumo, se perguntando o porquê dessa partida tão prematura.
Irmãs e irmãos tentando se lembrar dos momentos felizes, vividos na infância despreocupada. Os amigos, que não souberam de sua avassaladora doença, não conseguiam assimilar a realidade ali presente.

A vida é apenas um breve instante... Pequenino intervalo entre duas datas, a do nascimento e a da morte. Não adianta falar na saudade que é certa, compor frases fúnebres, recitar o desalento. Tudo só vai conseguir rimar com o nunca mais.

O que parece despedida é apenas um até breve. A tristeza jamais poderá ser desespero, a lembrança não será tortura, porque todos que confiam e têm esperança sabem que os olhos que se fecham para as trevas e para o sofrimento se abrirão para a LUZ. Esse fim é apenas o começo real. Vamos caminhar com a serenidade daqueles que sabem que não estamos nos despedindo e que dentro desse imenso vazio nasce a esperança-certeza de que um dia não haverá mais a necessidade de se sentir SAUDADE . O reencontro feliz, com certeza, se dará...



Neyriston,
Siga em paz ! Vá trilhando seu caminho de Luz....
E se der, cante uma canção....

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

BUENOS AIRES - Mi Buenos Aires Querida


"...e senti Buenos Aires. Esta cidade que acreditei ser meu passado, é meu porvir, meu presente...eu estava sempre (e estarei) em Buenos Aires. ( Luis Borges)


24/02/04

Já estamos navegando nas águas do Rio da Prata. O navio está bem mais estável que ontem. As águas são barrentas, não há ondas, nem o rastro de espuma que nos encanta. Do convés, já se observam embarcações de pesca e pequenos cargueiros ao longo do rio. Não vemos as margens, mas sabemos que não estamos mais navegando em águas marinhas. O sol está quente e o dia muito claro.

Impressionante como conseguem atracar um navio de 200 metros de comprimento tão encostado na amurada do cais. Eu não consigo encostar o meu minúsculo Ford KA tão coladinho ao meio-fio. O porto de Buenos Aires é enorme e muito movimentado e fica bem perto do centro. Andamos um pouco, já sentindo o jeito moderno da cidade. Largas avenidas, (muito largas por sinal), pessoas andando apressadas. Trânsito intenso, mas sem congestionamentos. Não demoramos a pegar um táxi, já treinando nosso portunhol em grande estilo. Rodamos pelas avenidas movimentadas vendo os plátamos centenários, que são maioria na arborização da cidade. As praças são inúmeras, coloridas pelas velhas paineiras inteiramente floridas. O dia claro encheu Buenos Aires de luz, só pra nos receber.
Trocamos alguns pesos em uma casa de câmbio e saímos a pé em direção à Casa Rosada. É realmente o maior marco da cidade, plantada na lateral de uma imensa e bonita praça cheia de turistas, vendedores de lembrancinhas e estudantes namorando, conversando, tomando sorvete.
A Catedral Metropolitana tem uma arquitetura belíssima, foi construída no início do século XVII, em estilo neoclássico. O piso, que está sendo restaurado, é uma composição floral de mosaicos minúsculos e coloridos. Lindíssimo! O túmulo do General José de San Martin, o herói da independência das Províncias Unidas do Prata, é guardado 24 horas pelos jovens soldados da Guarda Nacional.
Caminhamos pela Avenida 9 de Julho (dizem que é a mais larga avenida do mundo) até o imenso obelisco de 67 metros de altura. A cidade é plana, o que nos convida a caminhar.
Pegamos outro táxi e fomos pra Recoleta, que é um dos bairros mais nobres da cidade, com excelentes restaurantes, cafés, antiquários, bares, discotecas... Entramos no famoso Cemitério da Recoleta onde caminhamos entre os mausoléus adornados com esculturas antigas. Não há um só túmulo baixo. Todos têm nomes das tradicionais famílias portenhas. Seguimos um grupo de turistas alemães, até o túmulo de Evita, cheio de recados e flores plásticas mostrando que a mulher de Perón ainda tem inúmeros e ardorosos fãs na Argentina. Todos tiram uma foto diante dele. Saímos do cemitério e entramos na Basílica Menor de Nuestra Señora Del Pilar, em estilo barroco, do século XVIII. Rezamos um pouco perante altares de ouro com imagens bem típicas da cultura espanhola.

Caminhamos preguiçosamente por avenidas e ruas, sentindo o calor do sol e da cidade.

Voltamos ao navio, fizemos um lanche rápido e partimos para o show do Señor Tango. Indescritível! A casa noturna fica ao sul da cidade e tem capacidade para mais de mil pessoas. São três andares, com colunas e molduras de fotos iluminadas por microlâmpadas, paredes vermelhas e peças artísticas retratando a história do tango. A casa já estava cheia quando chegamos. O show é coisa de cinema: cavalos brncos montados por índios começam a representação da saga dos povos do Prata. As dançarinas são lindíssimas, os belos portenhos com roupas deslumbrantes transitam pela casa compenetrados em seu trabalho. Os garçons de chapéu e avental comprido trazem o vinho da casa, água e refrigerantes. A voz do “cantante” Fernando Solera é privilegiada. Tudo é feito para encantar o turista. Hollywood está presente em alguns quadros do espetáculo: uma linda mulher com asas diáfanas desce do teto, pendurada em uma gangorra, lembrando a cena mais famosa de Moulin Rouge. A orquestra de bandonions, as gêmeas louras, os dançarinos habilidosos e toda a dramaticidade do tango fazem parte do show. Vimos fotos do astro maior da casa, Fernando Solera (ele é também o dono) com Hebe Camargo, Bill Clinton, Airton Sena, Pelé, Michael Shummaker, Liza Minelli, Bill Gates e tantos outros famosos. Recebemos uma taça de champanhe para um brinde e com a música "Dont cry for me Argentina" e todo elenco no palco, acontece o final do magnífico espetáculo. É mesmo de encher os olhos e a alma.
Pensamos em esticar até à Recoleta para uma “balada” (como dizem por lá), mas a exaustão nos venceu. Voltamos para o navio, onde o buffet da meia-noite nos levou a comer “horrores”: frutas, sanduíches, tortas, doces .... Quantas calorias, meu Deus!

25/03/04

Dia lindo, céu claro, sol forte! Após um café “dos deuses” descemos do navio e rumamos para a Calle Florida onde passamos o dia a ver vitrines, passeando entre barracas de flores e gente apressada, observando como são e como vivem os portenhos. Uma multidão anda pelos quarteirões fechados carregando sacolas e embrulhos. A Galeria Pacífico é um shopping que ocupa um quarteirão inteiro. Agasalhos, bolsas, perfumes, casacos de couro, moda refinada. Os preços de alguns artigos são bem vantajosos, outros nem tanto. Comprei suéteres e perfumes, um livro sobre pássaros da região e alguns mimos para mim... Eu mereço! Comemos umas empanadas divinas, acompanhada por um gigantesco capuccino numa cafeteria super charmosa, observadas de perto por um batalhão de portenhos com seus ternos bem cortados e perfumados excessivamente. Os homens são bonitos e sentem-se obrigados a olhar e gracejar para todas as mulheres, principalmente turistas, que cruzam seu caminho, independente da faixa etária. Chega a ser meio cômico.
Buenos Aires me surpreendeu. A cidade é linda, o povo alegre e hospitaleiro, a comida excelente... E o astral da cidade?

Com certeza voltarei em breve para ver tudo que ficou sem ser visto pelo pouco tempo que tivemos. Acredito que uma semana seja o tempo ideal para se conhecer e sentir essa bela cidade.

Hoje, lendo Jorge Luis Borges bateu uma saudade gostosa de Buenos Aires....

terça-feira, 13 de novembro de 2007

GALOPÉ - Aventuras e desventuras


" A alma mineira vive de saudades. tenho saudades das velhas cozinhas de Minas...."



A coisa começou de um jeito complicado. Um dos convidados, por uma privação de sentidos momentânea, esqueceu-se, (ou não se lembrou), de que cada um deveria levar cerveja para nossa reunião, o que nos levou a buscar o produto quente em um depósito de bebidas do bairro. Não sei porque, e acho que ninguém sabe, saímos em caravana para a casa do Paulo César e da Conceição. A perspectiva de degustar o famoso Galopé do Paulinho deixou todos excitados e “deu branco” na galera, pois os motoristas sabiam o caminho e mesmo assim a preocupação de todos era a de que chegássemos juntos e ninguém se perdesse. Na bela residência do casal, fomos recebidos com carinho e logo já estávamos no melhor lugar da casa, a cozinha. Panela grande sobre o fogão, violão encostado na parede à espera dos possíveis cantores e tocadores, cerveja gelada e o aroma fantástico de comidinha da roça emprestavam ao ambiente aquele aconchego necessário para algumas horas de puro prazer.E foi exatamente isto que aconteceu: adolescentes devidamente entrosados e a única criança naturalmente excluída, mulheres trocando confidências sobre homens, maridos e seres afins, Paulinho dando os últimos retoques na sua obra-prima fumegando sobre o fogão, cervejeiros com copos abastecidos e os primeiros acordes já alegrando a festa.De Lupicínio a Ari Barroso, de Pixinguinha a Cartola, de Paulinho da Viola a Chico Buarque, todos foram homenageados, cantados e decantados. Alguns cantores desafinados e que não participaram dos ensaios prévios, procuravam o compasso e o ritmo desesperadamente, mas entre mortos e feridos salvaram-se a alegria do encontro e a descoberta de novos e promissores talentos.Com petiscos primorosos, troca de receitinhas , um vinho bem gelado e o CD da Zizi Possi disputando espaço com os cantadores presentes, chegou-se finalmente a hora tão esperada. É verdade que dois convidados mais afoitos e no intuito de provar e aprovar o Galopé já tinham consumido uma boa quantidade do jantar. Felizmente, os donos da casa tinham preparado comida suficiente para um batalhão.A comida gostosa, temperada com carinho e competência, foi sendo lentamente consumida entre suspiros e elogios. Realmente foi um sucesso o Galopé do Paulinho.Temos de assinalar a demasiada preocupação da dona da casa com o serviço do jantar, uma vez que os garçons e o maître contratados, além de não terem comparecido, faltaram ao trabalho. Também os talheres apropriados para se comer o famoso prato não foram encontrados em BH e não foi possível importá-los da cidade natal da Sãozinha. Mas tudo bem... Lambendo-se os dedos e lambuzando-se, todos se deliciaram com o Galopé, que é a mistura inusitada de galo e pé de porco, temperados com esmero e cozido no ponto certo.Por causa de compromissos no domingo resolvemos partir e que aquela reunião teria continuidade no dia seguinte à beira da piscina na casa do Maurílio. Despedidas, agradecimentos, elogios, juras de amizade eterna e lá fomos nós rumo à saída da casa.- Meu Deus! Roubaram o carro do Nivaldo! Impossível! Como foi acontecer isto? Ladrão FDP. Que vamos fazer agora? Liga pro 190. Corre no Posto Policial. O Celso é amigo dos “home”, liga pra ele. Manobra o carro, Dão. Não chora, Soraya! Vão achar o carro. Que vamos fazer? Não tenho seguro. O carro não tem alarme. Que merda!Todos pareciam baratas tontas extremamente exaltadas (talvez por causa estado etílico de boa parte dos presentes).As providências rápidas e eficientes permitiram que em 15 minutos o carro fosse localizado e o Paulinho, num gesto de perfeito anfitrião foi, junto com o Nivaldo, dar uma voltinha de camburão, com policiais fardados e fortemente armados para resgatar o Uno de estimação da família.A Sãozinha deu uma bronca exemplar nos dois “vigilantes” da rua, mas ficando na dúvida se ambos os seguranças não estariam envolvidos no delito, uma vez que ela não contribui com a caixinha...Rezamos para que o Paulo César não fosse confundido com algum meliante, uma vez que, apesar do adiantado da hora (quase 2 horas da madrugada) e do vento frio, ele estava de chinelo, camiseta e bermuda, no mais puro estilo praia. Pedimos também aos céus que o Nivaldo pudesse trazer o carro sem que os policiais o submetessem ao teste do bafômetro nem exigissem dele o documento do carro, que tinha ficado na bolsa da Soraya.Não sei se pelo Galopé ou pelo fato ocorrido, a verdade é que esta noite ficará para sempre em nossa memória, apesar de ter acontecido em Abril de 1999.




Esse post vai para os amigos que, por esse ou aquele motivo, ficamos tanto tempo sem ver, o que não implica em esquecimento. Implica, sim, em SAUDADE...

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Palavras Novas


"No texto e no contexto, muitas vezes as palavras têm o significado que damos a elas."




Na idade média, os religiosos e nobres que habitavam a parte sul da região de Vovôva, viviam obcecados pela idéia de que um dia, talvez não muito distante, todos seriam destruídos por violentos pagungos que viriam do céu, como uma praga anunciada, decididos a acabar com tudo e com todos.


Não sabiam como evitar a catástrofe que se avizinhava. Consultaram a tenebrosa Colêta que , por sua vez, recorreu à poderosa Gogôga. Depois de se entregarem febrilmente aos seus antigos pergaminhos e às poções encantadas, nada descobriram. Não tinham o que sugerir aos donos das terras para barrar a destruição.


Macaias já voavam, lúgubres, sobre as cabeças, das pessoas esperando o banquete macabro. Homens e mulheres corriam contra o tempo. E era mesmo uma questão de tempo. Mais dia menos dia, tudo viraria pó. Não tinham mais esperança, não tinham mais alegria.


Eis que um dia, chega àquelas terras um passodinho, montado num cavalo branco. Era forte, tinha um olhar inteligente... Mais parecia um príncipe que um guerreiro.


Procurou imediatamente as autoridades locais e, acompanhado pelo fiel e gigantesco escudeiro da antiga etnia funfunka, propôs a solução para o problema que parecia insolúvel: Os pagungos seriam destruídos pelo fogo, tão logo chegassem à região.


E, assim, reuniram o povo na praça e construíram imensas tochas, usando velhos trapos e todo o azeite que puderam reunir, como combustível. Logo que os pagungos se aproximam, as tochas são acesas e tem início a terrível batalha.


O cheiro de carne queimada e a fumaça das tochas ainda são visíveis , mas todos os invasores são destruídos. Algumas pessoas morreram, muitas estão feridos, mas agora, o medo e o desespero já não fazem mais morada naquelas terras. O passodinho e seu escudeiro são aclamados pelas ruas pela bravura com que enfrentaram a ameaça com a idéia do fogo. Tão simples e tão eficaz.




Todas as palavras em vermelho só existem na linguagem que, pouco a pouco, a Isabela de 3 anos (e que já domina o português) vem construindo. Ela sempre diz essas aqui escritas e outras que não me lembro.. CRIAR UMA LÍNGUA NÃO É TAREFA FÁCIL ... Mas ela ainda chega lá.


quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Dia das Bruxas

" A mediocridade não reconhece nada melhor do que ela mesma." Sir Arthur Conan Doyle


Estou me lembrando que há uns três anos, desenvolvi um Projeto com meus alunos da periferia sobre o "Dia das Bruxas". Contamos todas as fantásticas histórias onde as bruxas aparecem encantando princesas, transformando príncipes em sapos ou feras, fiscalizando dedinhos para ver se o menininho havia engordado, adormecendo donzelas, aprisionando mocinhas nas altas torres de castelos assombrados.
Assistimos filmes divertidos, falamos do Harry Potter (ainda no segundo volume), rimos com as trapalhadas da Madame Min e o Mago Merlin...
Escrevemos histórias, desenhamos, demos asas à imaginação... No Dia das Bruxas, sentados no pátio, à sombra de uma árvore ainda com as flores da primavera, escavamos uma enorme abóbora e fizemos a famosa lanterna do Halloween. Aprendemos sobre a origem da comemoração, ficamos sabendo de outras culturas, outros povos, outras terras. A abóbora foi levada de sala em sala e todas as crianças da escola puderam aprender um pouco sobre essa festa divertida. Cantamos algumas musiquinhas das histórias contadas, montamos um painel, pintamos bruxas feiosa, de chapéu ponteagudo, caldeirão, morcegos e lagartixas.
No dia seguinte, fiz um doce gostoso, temperado com cravo e canela e as crianças se fartaram com o sabor e a cor alaranjada da ex lanterna esculpida no dia anterior...Também, no dia seguinte, ouvi comentários sobre a festa do Mal, da heresia de se convocar espíritos baixos, de não valorizar o que é nosso.
De agora em diante o melhor é fazer festa pra Saci Pererê e jabuticaba, que são as únicas coisas totalmente brasileiras. Pensando bem, Saci tem uma conotação demoníaca e incomoda os fanáticos de plantão. O melhor é só ensinar sobre a jabuticaba.
Ontem fiz uma lanterna de abóbora para a minha neta, que ainda não fez três anos. Quero que ela entenda o mundo de uma forma mais divertida, mais leve... Sem censura religiosa, sem ideologia barata, sem patrulhamento nacionalista. Alegria e bom humor não têm pátria nem crença. São de todo o MUNDO.
Esse post vai para todas as bruxas que conheço, inclusive uma que mora na Tijuca e detem os poderes da sedução.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Recordar é Viver

" Amigos podem, com sua palavra e companhia, despertar ilusões e desejos de conhecer toda a magia do mundo."

Eles já vinham nos convidando, há tempos, para uma ida a São Roque e, no último encontro ficamos combinados que, no Carnaval, iríamos para o sítio que eles possuem próximo à São Paulo.

Já que convidaram, lá vamos nós... E vamos “de galera”. Uns vão de carro e, nós , de ônibus. Com direito à baldeação em Sorocaba. A rodoviária de BH estava simplesmente intolerável. Milhares de pobres brasileiros à beira de um ataque de nervos, indóceis, a espera dos ônibus que, definitivamente, não conseguiam vencer os engarrafamentos, já que todos queriam viajar ao mesmo tempo para aproveitar o feriadão de Carnaval. As plataformas de embarque apinhadas de gente. Sentados nas bagagens, homens (será?) se massageando sensualmente, mulheres gordas querendo matar os fiscais e embarcando na “marra”, pessoas estacionando enormes malas sobre os nossos pés, sem contar os inúmeros carnavalescos completamente alcoolizados que infernizavam a vida de todo mundo. O stress tomou conta de passageiros, fiscais e motoristas diante do caos instalado. Os ônibus saindo com duas, três horas de atraso. Terminada a maratona da rodoviária, a viagem seguiu normalmente, apesar da estrada bastante movimentada.

Próximo ao Anhembi o trânsito “engessou” de vez. Para nossa alegria e regozijo de alguns passageiros, as Escolas de Samba do Primeiro Grupo estavam acabando de desfilar e centenas de integrantes da Nenê de Vila Matilde se acotovelavam nos ônibus para voltar à periferia. Baianas, piratas, descobridores, príncipes e navegantes, índios, fantasmas e passistas seminuas davam o ar da graça, apesar de visivelmente cansados. O sol forte e o trânsito lento foram minando a nossa paciência, que nessas alturas já era escassa. Mais à frente, centenas de carros desciam para o litoral entupindo a estrada e aumentando a morosidade da viagem. Só por volta das nove horas chegamos a Sorocaba, onde embarcamos para São Roque.

O dono da casa foi nos buscar e logo, logo chegamos ao paraíso. A casa é ampla é decorada com o bom gosto característico da nossa anfitriã. Plantada entre extensos gramados, bem cuidados jardins e um pequeno bosque. A velha e florida quaresmeira se enfeitou de rosa para brindar a nossa chegada. Lá embaixo o azul da piscina em meio ao verde das plantas convidava para um mergulho. A área da churrasqueira, sauna e banheiros é localizada em um grande espaço com piso de ardósia. Mesinhas, cadeiras e simpáticos banquinhos forrados de couro convidam ao relax. Um balcão sugere a cerveja bem gelada, servida quase que imediatamente proprietário do paraiso. E é nesse espaço que anfitriões e convidados exercitam seu esporte favorito e a grande pedida da temporada é jogar conversa fora. O caseiro, antigo bar-man, nos preparou coquetéis de vinho tinto e champagne, eu fiz um macarrão seguindo uma receita da Beá, mas o carro-chefe do almoço foi mesmo o churrasco, feito com pompa e circunstância pelo chef . Desnecessário dizer que tudo isso foi acompanhado de cervejas, cervejas e mais cervejas super geladas.

Quase ao anoitecer a chuva começou a cair de mansinho. Mais tarde continuamos a conversa sentindo o aroma do orégano e queijo vindo das pizzas que assavam lentamente.

Lá pelas cinco e meia da manhã acordei e fiquei na varanda, estirada na rede curtindo o belo jardim, vendo um pica-pau, no alto de uma árvore batucando com o bico tronco endurecido.
Saímos logo após o café para o sítio de outros amigos. Uma luxuosa casa em fase final de construção numa área cercada de pinus e araucárias. Chope direto de uma chopeira dourada fez a alegria dos rapazes. O churrasqueiro contratado, especialista em carnes, nos deixou encantados com a habilidade no trato com as picanhas, lingüiças, costelas e lombos. O vinho italiano, geladíssimo, as uvas e ameixas frescas, salada verde de verdurinhas colhidas no dia nos seguraram à mesa por várias horas. Jogamos sinuca, conhecemos a criação de cabras e a cultura hidropônica, que é o chamego do dono que, aposentado, pode curtir esses raros prazeres. Só após outra rodada de pôquer, mais chope, charutos, golinhos de grappa, licores fantásticos, café expresso acompanhado da enorme simpatia dos nossos novos amigos, é que conseguimos, finalmente, tomar o rumo da Rodovia Raposo Tavares. Após nos perdermos e nos acharmos, chegamos ao sítio. Entre bêbados e perdidos acabamos encontrando o caminho ...

Logo na chegada uma das “meninas” protagonizou uma cena de “aracnofobia” e eu demonstrei extrema coragem ao exterminar com inseticida uma monstruosa aranha que invadira os aposentos da ex donzela recém casada. Na verdade o terror só não foi maior que o pânico demonstrado pelas crianças com a aparição de um demônio vermelho soltando fogo pelas ventas. Só se acalmaram ao descobrirem que o tal capeta não era senão o dono da casa com uma máscara de látex, comemorando o carnaval e recordando bons momentos da infância.

Todos querem aproveitar as últimas horas e não se cansam de recordar os fatos do passados, a infância difícil, a escola, a convivência com os primos, os casos engraçados, a avó – pessoa que marcou a vida de todos - os namoros de antigamente...

Nosso anfitrião, para ter realmente a certeza que iríamos embora, nos levou até Sorocaba onde embarcaríamos rumo a BH.

O carnaval de 2000 foi marcado pelo carinho com que fomos recebidos, as conversas ao pé da lareira, os banhos de piscinas, o churrasco, as boas risadas e os inesquecíveis momentos que passamos junto àqueles que queremos tão bem.

Esse post vai para o Kiko, agora em terras africanas e para a Beá que está em Sampa - amigos de fé. E para a Zélia, onde quer que ela esteja.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

ORQUÍDEA - FOTO


Essa orquídea estava seca e maltratada na casa de uma tia que não sabia como cuidar dela. Replantei-a numa velha bota e, agora, 3 anos depois ela está toda florida. Viva a natureza!
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sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Orquídeas

"Pra que lado sopra o vento? É uma brisa.
Arejado frescor, de orquídea em flor."

Volta e meia ganho um vaso de orquídeas. Adoro, mas não entendo nada dos mistérios dessa flor tão complexa quanto bela.Nosso amigo pantaneiro, incentivou-me a começar organizá-las. Então prendi algumas numa árvore grande que tinha bem na frente daquela rampinha que dá acesso à minha varanda. Raramente elas floresciam. Assim mesmo, timidamente, lá no alto. Não dava pra sentir seu toque aveludado, seu perfume exótico, sedivertir tentando encontrar uma figura no seu miolinho. Num dia de tempestade essa árvore rachou e precisou ser derrubada. Meu filho, de improviso, retirou as orquídeas, prendeu de qualquer jeito em alguns pedaços de xaxim e pendurou-as debaixo da minha cerejeira, na parede dos fundos da casa. Para nossa surpresa elas adotaram aquele lugar como sua casa e começaram a dar muitas e lindas flores. Sempre tenho um vaso florido. Fico toda orgulhosa! Elas não dão trabalho. O suspense é grande quando descubro algum botão. Demoram meses para desabrochar e mostrar suas cores e perfume. Nunca sei como serão as flores. Grandes? Pequenas? Brancas? Rosadas? Agora mesmo estou de olho em duas que, daqui há um tempo, vão me surpreender com toda a certeza.

Uma, bem pequena, meio esverdeada, delicada como ela só, tem cheiro de Gelol, uma outra exala forte aroma de chocolate e , vejam só, é marronzinha como uma barrinha da Nestlê...

Na Clínica de Fisioterapia tem um senhor, o nome dele é Paulo, que conversa muito comigo durante os penosos exercícios e tem me ensinado alguns segredos dessas plantas. Uma gosta de água gelada, outra, se polvilhada mensalmente com canela em pó fica mais perfumada, outra não suporta umidade, aquela tem de ser mantida longe de qualquer tipo de terra... Caprichosas, as mocinhas! Começo a colocar em prática o que vou aprendendo. Só não consigo, e acho que também não quero, saber nomes, famílias e gêneros... Sou amadora.
Essa semana mudei algumas para vasos e cestas, usando argila expandida, gravetos de pinho, farinha de osso e torta de mamona. Fiquei espantada ao descobrir que já tenho mais de vinte vasos... Vou começar a fotografá-las para saber qual é qual. Aí não vou mais ter tanta dúvida. E, com certeza, o elemento surpresa vai acabar. Será que vale a pena?

Esse texto vai para o João, que lá no Pantanal, cultiva tão belas flores. E para o senhor Paulo, paciente professor dos caprichos dessa flor ...

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Noite Italiana

" Reunir os amigos em volta da mesa, partilhar o pão, a alegria e as experiências vividas..."

Quando as duas voltaram da primeira viagem internacional, chegaram com um brilho diferente nos olhos, mudaram o jeito de falar, de andar e de vestir. Será que, tão poucos dias longe desse mundinho tupiniquim, tem o poder de transformar tanto assim duas pessoas? É muito pouco tempo...
Será que o trânsito por aeroportos internacionais, o romantismo de Veneza, o luxo e sofisticação de Paris e o carinho recebido em Verona, tiveram o poder de deixar as duas tão diferentes?
Acho que sim.
Sei do que elas são capazes. Tenho experiência. Mas... Dessa vez surpreenderam. Disseram que foi a mais nova que fez tudo sozinha. duvidando! Foi tudo perfeito demais. Devem ter contratado uma assessoria especializada.
Quando eu digo tudo, é TUDO mesmo! A mesa arrumada com a toalha xadrez com as cores típicas das melhores cantinas italianas, os pães rústicos, os queijos já cortados com estilo sobre a tábua, as uvas, os vinhos...
Os amigos foram chegando e se achegando à mesa farta. Timidamente, escolhiam uma cadeira, começavam a bebericar nas taças de cristal, tiravam lascas do queijo, elogiavam a bebida.
Um dos amigos, enólogo praticante, se intimidou com os vastos conhecimento do dono da casa sobre a formação geológica dos vinhedos nacionais, o microclima como fator predominante na excelência de algumas uvas, o tempo de maturação dessa e daquela casta, as características de cor e sabor, o aroma e o corpo dos chilenos e seu tanino marcante, as melhores safras dos argentinos da região de Mendoza... E os adjetivos? O que seria dos vinhos sem os adjetivos? Sutil, agudo, delicado, masculino, amadeirado, frutado, jovem, leve, intenso...
Alegria! Acabam de chegar da cozinha, as brusquetas, preparadas com técnica italiana, azeite extra-virgem, tomates, alho, manjericão e calabresa... Fumegantes. Deliciosas.
E a conversa corre solta. Acredito que o vinho contribui para soltar a língua e aquecer a alma. Ajuda a esquecer que o dólar subiu, o avião caiu, a Bolsa despencou, o Lula discursou e a Evi casou e mudou....
E é graças a ela é que hoje estamos aqui neste festival gastronômico. Foi uma overdose de sabores. A “pasta” divina, no ponto certo de cozimento, quente como deve ser, o tempero perfeito, o aroma sutil do Marsala misturado ao manjericão... Nessa hora, o assunto foi minguando. Todos muito ocupados em conseguir enrolar no garfo o spaguetto. Claro que ninguém se atreveu a cortá-lo com a faca. Seria um sacrilégio imperdoável.
Acha que acabou? Nada disso, lá vem a menina, já com jeito de “mamma”, toda poderosa, trazendo o sorvete e as caldas de mirtilo, lampone e morangos. E ainda tem o vinho próprio da sobremesa. Doce, requintado, dourado...
Será que o enólogo de plantão concorda com esses adjetivos?
No final ainda presenciamos a entrada triunfal de um bolo de aniversário para uma das convidada, parabéns pra você, presente e abraços.
Eu disse que elas mudaram... E mudaram mesmo. Agora não recebem mais com sotaque do norte de Minas, com aquele jeito doce de quem veio de lá. O sotaque agora é outro. Vem do outro lado do Atlântico.
O coração , no entanto, veio maior, compartilhando com os amigos a alegria das novas terras recém descobertas...


Este texto foi escrito em 18/08/2007 e vai para a Marlene e Ana Paula, duas meninas que trouxeram da Europa , a Itália guardada num cantinho do coração.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Crônica de uma Mãe Urbana

"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é CORAGEM" Guimarães Rosa


Na Semana Santa de 2003, finalmente, fomos para Planaltina, próximo do Distrito Federal, visitar nosso filho caçula, que estava morando na Reserva Ecológica de Águas Emendadas onde desenvolvia seu Projeto, com vistas à sua dissertação do Mestrado.
O cerrado e suas árvores retorcidas, a terra vermelha, o perfume do araticum maduro e o canto dos pássaros têm realmente uma certa magia. Os lugares são lindos. As veredas de buritis, alagadas pelas últimas chuvas, empresta ao lugar um certo ar de encantamento. Os pés de pequi estão por toda parte e prometem fartura nos próximos meses. Pequenos arbustos de murici, araçá e cagaita estão floridos a espera dos frutos doces e cheirosos. A vegetação mais densa e úmida da mata de galeria contrasta com a mais esparsa da reserva. É ali que os gaviões e mamíferos, mais difíceis de serem vistos, vivem e se reproduzem.
Fomos à área onde o Leo desenvolve seu trabalho e pudemos ver de perto os pássaros capturados na fina rede de seda e anilhados por ele e seus colegas pesquisadores. Fotografamos os filhotes de uma coruja bem grande, que ficou de longe nos olhando ameaçadoramente enquanto os pequerruchos eram examinados. Me diverti com os bandos de papagaios barulhentos, me encantei com o casal de pica-paus do pescoço dourado, com as tesourinhas, beija-flores e outros tantos pássaros com suas penas de colorido exuberante. Vi ninhos ocupados por pombas silvestres e seus ovos branquinhos, que foram cuidadosamente medidos, outros enormes, como os dos graveteiros, por aqui chamados de guaxos, e pude sentir toda a força de uma natureza protegida e preservada. Ouvi os relatos dos encontros com os lobos guarás, com os tamanduás-bandeira, com a suçuarana, com a cascavel e com a perigosa jararaca. Vi um tatu galinha, que se virou rapidamente e sumiu por dentro do mato entre uma nuvem de poeira vermelha e, com o susto, senti o quanto somos urbanos e mal preparados para esse tipo de vida. Receamos pela segurança do filho querido, esquecendo-nos que atravessar o centro da cidade ou mesmo ir para a Universidade é uma aventura bem mais arriscada que conviver com o canto dos pássaros, com os horizontes tingidos de rosa, com o calor do sol e com a doce agressividade do cerrado brasileiro. Realmente é um lugar diferente do caos das metrópoles onde nos acostumamos a viver. Sabemos que riscos existem, lá e aqui. Que viver é algo extremamente perigoso. Mas numa reserva ecológica os riscos são calculados, enquanto que nas grandes cidades não temos segurança nem pra chegar até a esquina, temendo um assalto ou uma bala perdida.
Interessante notar que, apesar da enorme quantidade de bichinhos como mariposas de todos os tamanhos, abelhas e vespas, formigas e besouros, lagartas e cigarras, os pernilongos e carrapatos não existem por lá. As aranhas são enormes e assustadoras e sempre dão as caras nos lugares mais escondidos da casa e mesmo no meio do mato, entre as folhas secas espalhados pelo chão.
Apesar da saudade que sentimos do Leo, sabíamos que ali ele estava feliz, realizando um sonho e um projeto super importante para seu futuro. Foi ótimo poder partilhar com ele seu novo habitat, foi bom ver como encarou com garra, responsabilidade e competência o trabalho pesado do campo e o trabalho intelectual exigido pela pesquisa que estava realizando. Foi muito bom poder compartilhar sua alegria ao descobrir um novo ninho a ser registrado, o canto de uma ave até então desconhecida , uma pegada na terra vermelha: - Será um teiú? Um tatu? Um veado?
E depois... cozinhar, descongelar a geladeira, enterrar o lixo orgânico, separar o lixo seco a ser levado para a cidade, trancar a casa, preparar a "matula" para o dia seguinte, lavar a louça, fazer as compras em Planaltina, estudar, estudar, estudar...registrar o trabalho do dia...anotar...rever anotações e ler..ler... e ler mais um pouquinho antes de, finalmente, ir dormir. Dormir para acordar às 4 horas, em plena madrugada,vestir a roupa de campo, pegar a bicicleta e seguir, com uma lanterna na cabeça , para a área de pesquisa, que fica distante 10 quilômetros da casa onde mora. Ainda resta uma grande extensão de “picadas” a serem abertas com o facão, apesar dos muitos já abertos e que deixaram as mãos do rapaz cheias de calos e cortes.
Tenho certeza que ele ainda tem muito a aprender e muito mais a ensinar aos pais que não conseguem esconder o orgulho de tê-lo como filho.
Nosso filho é nosso herói!!!

Para o Leo, passarinheiro de carteirinha e viciado em biologia....

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Passos de Anchieta

" De todos, o caminho mais longo é o que leva da mente para o coração."
Eu, Miriam, Raquel e Márcia resolvemos fazer a caminhada coordenada pela ONG Abrapa (Associação Brasileira dos Amigos do Padre Anchieta) em Junho de 2001. Fizemos o mesmo trajeto que o padre Jesuíta fez a mais de 400 anos. São aproximadamente 105 quilômetros.
Diante da Catedral Metropolitana de Vitória, pegamos nossas credenciais (onde seriam carimbadas as diversas etapas vencidas), bonés e camiseta com o mapa do caminho a ser percorrido e já sentindo o clima dos próximos três dias. Muita gente reunida, animada, participando do aquecimento, tentando se enturmar, rindo e cantando durante a bênção dada pelo padre, que desejou uma caminhada tranquila e sem transtornos.
A procissão "se arrastando que nem cobra pelo chão", desce até o porto, passa em frente ao Palácio do Governo até chegar aos ônibus que nos tirariam da Ilha. São quase três mil pessoas. Enormes filas, sem reclamações, sem estresse, sem mau humor. Descemos em Vila Velha e começamos a subida até o Convento da Penha, pela Ladeira das Sete Voltas. Caminho penoso e de aclives acentuados tornam o trecho bastante cansativo. O silêncio só é quebrado pelo canto dos pássaros e o arquejar dos caminhantes. Lá de cima se descortina uma paisagem de tirar o fôlego. Descemos por outra estrada e, na área privativa o Exército, uma banda nos aguarda, dando as boas vindas e os soldados mais bonitos do batalhão ficam em posição de sentido, demonstrando apreço aos peregrinos.
Morro Moreno, praias da Ribeira e da Costa, travessia da Ponte da Madalena toda enfeitada de buquês de flores pelos moradores que nos aguardavam, Barra do Rio Jucu... A chuva começa a ameaçar nossa próxima etapa. Os pés doem, a musculatura das pernas parece em brasa e a cãibra ameaça a Raquel. Vamos em frente que atrás vem gente...
Em cada ponto de parada, enfermeiros, bombeiros e voluntários cuidam dos pés dos caminhantes. Furam as bolhas, fazem curativos, massageiam os mais doloridos, dão conselhos, incentivam, oferecem frutas e água. Sorriso e solidariedade é o que não falta. É como se fôssemos parentes ou velhos amigos. Os últimos quilômetros foram difíceis, mas afinal chegamos na Ponta da Fruta. Fomos saudadas com fogos de artifício, tapete vermelho, flores e um belo rapaz, vestido de Padre Anchieta, abençoava quem conseguiu chegar. A Miriam beijou-lhe as mãos.
De carona, fomos direto para a Pousada que reservamos por telefone. Mofo à vontade, banheiro meio limpo-meio sujo e camas razoáveis. Pelo menos isso. Obedecendo à Marcia, que é médica, fizemos vinte minutos de alongamento, jantamos ali perto e trocamos idéias sobre o caminho e as dores de cada uma.
Às cinco horas acordamos, fizemos mais alongamento e fomos tomar o café. Ali ficamos sabendo que essa era uma etapa difícil. Já havia andarilho com pé enfaixado, cajados e bengala para apoio e joelhos inchados. Recebemos um pequeno lanche para levar e começamos a jornada. Cada um caminha no seu ritmo. O importante é chegar.
O Parque Ecológico Paulo Vinhas é uma reserva que reúne Mata Atlântica, restinga e algumas lagoas. Biólogos nos pedem para não pisar fora da trilha para não estragarmos a frágil vegetação. Todos em fila. Ninguém ultrapasssa ninguém. As pessoas conversam com quem está às suas costas ou à sua frente, sem ver o rosto do interlocutor. O que importa é vencer obstáculos com cuidado para não cair. E, se cair, o companheiro de jornada, com certeza, vai ajudar. Se alguém precisa fazer xixi, avisa e ninguém se vira para olhar. Não tem onde se esconder. É praia de um lado e vegetação rasteira de outro. Existe um acordo tácito entre as pessoas. A areia fofa dificulta a caminhada. Por fim chegamos à Lagoa dos Caraís. A água é fria, cor de coca-cola, mas não podemos parar mais que dez minutos para não agravarmos as dores musculares. Um caminhão de cocos verdes e gelados nos aguarda. Logo estamos pisando as areias da Praia de Setiba Pina (Setibão). Muita gente se aproxima dos andarilhos, oferecem fruta, água e sorrisos.
Raquel não consegue mais andar por causa das cãibras. Vai de ônibus para Guarapari, nos esperar no hotel. "A mais difícil de todas as decisões: Voltar atrás - não para desistir, mas para começar de novo. Recomeçar."*
Setiba, Santa Mônica, Perocão e sua ponte também enfeitada de flores e fitas. Depois de longa e exaustiva subida, entramos na mata por uma trilha estreita e perigosa. Descemos por uma imensa pedra, coberta de cactus, arriscando a escorregar, até chegarmos às Três Praias de águas azuis e calmas e bares acolhedores.
Seguir adiante é a palavra de ordem. As dificuldade profetizadas em Ponta da Fruta começam a se materializar. O grande bloco de pedra a ser transposto é meio assustador. A maré baixa nos favorece. Não há a opção de voltar e as fendas profundas são mesmo perigosas. Custamos a vencer esse pedaço do caminho até chegarmos à Praia da Cerca e a Praia do Morro, nossas velhas conhecidas que estavam mais compridas do que nunca, pelo menos para nossos corpos cansados e nossos pés doloridos. Só conseguimos o carimbo na credencial na Praia das Areias Pretas. No hotel, a Raquel nos esperava dormindo. Alongamentos, gemidos, risos, banho, fome. Muita fome! No Max Peixadas, as panelas de barro fervilhantes com a moqueca capixaba, o pirão, a pimenta e o chope gelado nos dão o conforto e o alento que precisamos nesse momento.
Cinco horas e já de pé para novos alongamentos. Untamos os pés com vaselina liquida e envolvemos cada dedo com esparadrapo, pois as temíveis bolhas já estão presentes, para nosso tormento. Saímos em direção ao Edifício Center, de onde se tem a melhor vista de Guarapari. Lá de cima vemos a Praia do Ipiranga e do Riacho, a Samarco, onde os navios recebem todo o minério para o exterior. Agora é caminhar pelo asfalto e caminhar por ele é arriscado. A tensão domina todo o grupo. Os criadores de cavalos Campolina nos acompanham por um bom tempo, tocando o berrante de quando em quando. Enseada Azul, Meaípe, Lagoa de Maembá. Um grupo de motociclista nos incentivam. Aplaudidos, os caminhantes prosseguem debaixo de uma garoa fria. Por uma estradinha de terra chegamos à Praia do Ubu, onde crianças vestidas de índio nos aguardam para fotos e mais sorrisos. Pescadores de aparência modesta nos oferecem graciosamente pipocas, mamão e água. Agradecemos e tocamos em frente. Ainda tem muito chão a ser vencido. Descansamos por alguns minutos num lugar chamado Guanabara, uma linda pousada amarela, uma praia de rara beleza e mais carinho para quem se sente no limite da exaustão. O caminho agora é ladeado por pequenas árvores, casebres cobertos de palha, um coqueiro aqui e ali, vacas magras pastando mansamente.
Praia dos Castelhanos, tempo fechado. Eu já me sentia um passarinho de tanta fruta comida pelo caminho... Agora começa a reta final. Descemos vagarosamente pra Anchieta. A praia é feia, barrenta, destruída pela última ressaca. Tirei a sandália. Não aguento as dores na bolha estourada. Vou de meias até o final.. O povo da cidade se mostra alegre, aplaude quem chega, oferece o que tem. Água, maçã, chá...
O Santuário de Nossa Senhora da Assunção fica pequeno pra tanto caminhante. Voluntários ajudam a quem precisa de massagem, curativos nas bolhas dos pés e das assaduras nas coxas dos mais gordinhos. Todos, apesar de exaustos, estão felizes. Rezamos um pouco, pegamos nosso diploma de peregrino e fomos para o hotel. Pagamos cinco Reais para tomar um banho e trocar de roupa.
Esperamos pelo táxi num modesto restaurante onde comemos alguns ovos fritos e um macarrão horroroso, com cerveja gelada. Fomos direto para o aeroporto de Vitória onde embarcamos pra Belo Horizonte.
Aprendemos que a solidariedade é uma lei do caminho. Outra é a humildade de pedir ajuda.
"Uma travessia não termina em qualquer lugar, mas num ponto preciso, escolhido e alcançado. Enquanto não se toca esse ponto , travessia nenhuma existe." *
Este post vai para a Miriam, que durante todo o percurso nos proporcionou ótimos momentos, risadas descontroladas e piadas inéditas, como a do caixão cor-de-rosa.
* Paratii - Amir Klink

domingo, 23 de setembro de 2007

BONANÇA - Eu conheço. E você?

" Ardia aquela fogueira, que me esquentava a vida inteira, eterna noite, sempre a primeira festa do interior" Moraes Moreira/Abel Silva
Estava curiosa para participar de uma festa do interior.
Praticamente me ofereci para ir com a família "festeira" para Bonança, antiga Palmeira, município de Ibiracatu, distante quase 200 quilômetros de Montes Claros. Quarenta são de estrada de terra, melhor dizendo, de areia. Solta, vermelha e muito fina. Depois de muito preparo, três mil bandeirinhas de papel de seda, trocentos metros de correntes de crepon colorido, arrecadação de dinheiro com os amigos e parentes, confecção de bonecos para a decoração do salão, organização das roupas recebidas em doação e compra das prendas para as crianças partimos dia 28 de junho de 2003 para a tão esperada festa de São Pedro.
Um pneu furado fez a alegria do Marcelo e do Leo que tiveram de brigar com um porta-malas lotado, um parafuso teimoso e o sol escaldante do sertão.
Bonança é um pequeno povoado, com uma igrejinha amarela plantada no meio de um conjunto de casinhas pequenas, uma caixa d´água, uma quadra de esportes e uma construção pintada de azul, que é o salão de festas recém-construído. Três grandes e frondosas árvores, uma das quais plantadas pelo velho José Vicentino Ferreira, avô da Renata há mais de quarenta anos, bancos de madeira e um velho carro de bois. Tudo avermelhado pela areia fina, que é uma constante na vida de quem mora no lugarejo. As casas são rente à rua, janelas e portas de madeira, muitas sem muros. Os jardins são plantados com as poucas flores que resistem ao clima quente e seco. Os carros são raros. Alguns cavalos descansam à sombra, moradores curiosos chegam às janelas, outros acenam para quem chega, com o melhor dos sorrisos. Descemos do carro e já encontramos a Orlene limpando a entrada de casa e nos recebendo com alegria. Quase que imediatamente entra a Marlene e mais de uma dúzia de pessoas gritando e rindo, nos abraçam com carinho enquanto os foguetes de boas vindas sobem aos céus, anunciando para todos da cidade que acabamos de chegar.
Em Bonança a vida corre lenta. O vilarejo é apenas um amontoado de casinhas em volta de uma igreja muito simples e antiga e uma quadra de esportes construída por algum político da região. Para a festa deste ano foi construído um salão de festas, também no meio da vila. A areia que cobre todas as ruas é vermelha e entra nos olhos, na boca e cobre tudo que você vê, comida, roupas, cabelos... O vento sopra com força e espalha os grãozinhos por todos os cantos de Bonança. Ali se cria gado e a lavoura é muito pobre. A seca impera no norte de Minas, principalmente nesta época do ano. Se a cidade é minúscula, o coração de seus moradores é maiúsculo. Recebem com prazer, acolhem a todos com um sorriso e a inesgotável disposição para um dedo de prosa. Com linguajar típico nos contam histórias do passado, sempre com aquele tom mineiro, cheio de mistérios e superstições.
Fiz coisas que jamais pensei em fazer: estiquei cordões de bandeirinhas coloridas em plena rua, enfeitei um jegue (uma jeguinha?) para a cavalgada de São Pedro, ajudei e ornamentar o mastro do padroeiro com papel crepon nas cores do santo, participei de um leilão onde se podia arrematar doces, bandejas de comidas, carnes assadas, bezerros amarrados a postes de madeira e os lindos pés de bala, que são galhos de pereira enfeitados de papel de seda e cheios de balas, amendoins e pipocas, a exemplo das árvores de natal. Esses pés de bala são tradicionais na festa de São Pedro. Segui a procissão, ouvindo os cantos tradicionais e admirando as pequenas velas de cera de abelha jataí, acesas nas mãos dos devotos, espalhando seu cheiro característico, um misto de mel e fumaça.
A festa incluía comida e bebida para todos da cidade, oferecidos pela família "festeira" Amador de Melo, além do café com biscoito. Nunca vi tanta comida. Um boi foi sacrificado para a ocasião e preparado com arroz, no fogo de chão espalhados pelo quintal da casa, debaixo das velhas laranjeiras e pés de pinha. Biscoitos de peta, ginete e de goma fizeram a alegria da criançada. Todos, apesar da humildade do lugarejo, aguardavam o que lhes era oferecido com tranqüilidade, conversando com os amigos e curtindo aquele momento tão raro de alegria e confraternização. E a dona Geralda não queria que os convidados (a cidade inteira), fossem servidos através da janelinha de uma das casa. Queria que todos entrassem na casa. Como? Eram mais de quinhentas pessoas... Mas pelo menos as amigas dela tiveram de entrar e sentar para serem servidas, atendendo a exigência da matriarca.
No dia seguinte à festa, fui junto com o Leo, a Renata e algumas crianças da região num lugar incrível, chamado Chupa. É uma longa caminhada onde se percebe claramente a fusão entre o cerrado e a caatinga. Nunca tinha visto este tipo de vegetação e fiquei observando aquelas árvores secas e cobertas de espinhos, que parecem mortas, mas que com as primeiras chuvas vão explodir em brotos, flores e sementes. O Chupa é um enorme abismo de pedra lisa por onde corria um rio caudaloso e que hoje encontra-se totalmente seco. Pelo que contam os antigos moradores havia ali um redemoinho onde as pessoas eram chupadas e acabavam morrendo, engolidas pelas águas. Meu filho, as crianças e a Renata desceram ao fundo da grota e andaram até onde existe um impressionante paredão cheio de centenárias barrigudas, que são árvores enormes e típicas da região. Faltou coragem para que eu os acompanhasse nesta pequena aventura.
Foram três dias de muita festa, forró, crianças felizes com o movimento de pessoas estranhas. comida boa, cerveja gelada, picanha gorda (de dois pelos) e carne de sol assadas na brasa e a famosa cachaça da região.
A viagem de volta demorou doze horas. Voltei pensando no tamanho desmedido desse nosso país, na falta de recursos e de conforto desses brasileiros que sobrevivem aos políticos e suas promessas jamais cumpridas, nos seus hábitos tão diferentes, na pureza de sua alegria ingênua e, principalmente, na hospitalidade dessas pessoas que não têm nenhum receio de abrir suas casas e corações para os forasteiros. Não existe neste sertão das Geraes a desconfiança, a pressa, o medo e insegurança que vivenciamos no dia-a-dia das grandes cidades.

Esse post vai para a Evilane, que lá da Itália, ainda chora de saudades desse lugarzinho que fica , segundo ela, "atrás do mapa".