
Não posso mais dirigir. Então pego
carona com uma amiga. Antes das sete horas já estou em pé, do outro lado da rua esperando por ela. E fico ali, observando coisas que nunca via, em minha própria casa, na minha rua, no lugar onde vivo há mais de quarenta anos. As laranjas já quase maduras na velha laranjeira, os passarinhos que fizeram ninho nos beirais do telhado, o
pinheiro que está todo torto, precisando de uma poda para que no Natal já possa ser enfeitado com
luzinhas coloridas. O prédio do fundo está em obras. Dois gaviões ficam pousados, todos os dias na grade da cobertura, imóveis, esperando não sei o quê. Passa uma
van escolar com crianças sonolentas. O vizinho tira o carro e vai embora com o adolescente resmungão. Um jovem
casal se despede na esquina com um beijo. A velha vem com seu insuportável cachorrinho
basset, fazer
cocô no meu portão. Passa a mulher mal humorada dirigindo um
Siena, com um
barbudo no banco do passageiro, também com cara de poucos amigos. O operário, fumando um cigarro, caminha apressado com sua mochila velha, disfarçando a
indisfarçável marmita. O estudante
pára a bicicleta com medo do carro que atravessa perigosamente, sem olhar quem vem de lá. Isso tudo acontece num espaço de cinco a dez minutos. Todos os dias. Rotineiramente. Aí chega a a
carona e lá vou eu pra escola. Com certeza, na rotina de lá tem muita coisa que olho sem ver. Vou prestar mais atenção.
Todo dia ela faz tudo sempre igual....