BATIZADO
DO JOÃO
Semana
passada meu neto João foi batizado, e foi aqui em casa. Não foi um batizado
convencional. Seus pais, Renata e Leo, também não são nada convencionais.
Não
quiseram batizá-lo na Igreja, pois não são católicos e não professam nenhuma outra
religião. Na verdade, acho que professam tudo que há de melhor em cada uma das religiões conhecidas.
.
Arrumaram
a mesa como se fosse mesmo um altar, forrada com uma toalha branca, com frutas,
água, uma caixa enfeitada pelos padrinhos - os tios Marcelo e Maíta - e um
pequeno saquinho de tecido branco feito pela vovó Juju, amarrado com uma fita
azul.
As
cadeiras e bancos já estavam dispostos frente à mesa e os avós, um casal de
amigos, quatro priminhos e os tios se posicionaram para o Batizado do João.
O
Papai Leo, já emocionado e com lágrimas nos olhos, começou a conversar com as
pessoas ali presentes, o João no colo da Mamãe Rê, observando tudo e todos. A
emoção estava presente em cada rosto, em cada olhar... Com dificuldade e com a
voz embargada, o Leo explicou que gostaria que cada um, com sua fé e sua crença,
acompanhassem a leitura do texto que ele e a Mamãe Renata haviam escrito:
BATIZANDO JOÃO
Vai João, ser FELIZ na vida.
O batismo é um rito de iniciação, feito normalmente com
água sobre o iniciado, e está presente em vários grupos sociais, religiosos ou
não. A palavra “batismo” tem origem no grego e significa “imergir em água”.
Para a Igreja Católica, o batismo tem a finalidade de limpar a mancha do pecado
original, cuja origem está na desobediência de Adão e Eva a Deus, garantindo ao
batizado a salvação eterna.
João é um bebezinho e, para nós, personifica a pureza.
Portanto, acreditamos que dentro da lógica descrita acima, nós adultos é que
deveríamos, por ele, ser batizados.
Se pudéssemos ser batizados por João (recorre-me agora que
Jesus Cristo foi batizado por um João), seríamos purificados e salvos das
manchas resultantes de nossas inconsistências e incoerências em relação à Mãe
de todas as mães: a Natureza, ou Pachamama, reverenciada pelos povos
antigos, da qual tudo e todos fazemos parte.
Foi nessa hora que olhei para o rosto das pessoas e vi a emoção
que tomou conta de todos:
Que, ao olhar para os olhinhos do João, de onde emanam
ensinamentos singelos ignorados por nós cotidianamente, façamos deste rito de
iniciação um movimento inverso: que João nos dê de presente uma passagem de
volta aos nossos próprios inícios - ao tempo em que fomos mais livres, mais
autênticos, mais puros, mais verdadeiros.
Ao João, gostaríamos de deixar não ensinamentos, e sim,
desejos, simbolizados por oito elementos. Os padrinhos de João, tio Marcelo e tia
Maíta, escolhidos carinhosamente por nós, seus pais, guardarão os oito símbolos
nesta pequena caixa decorada por eles, especialmente para a ocasião. Ao final
desta celebração, seus padrinhos irão presentear seu afilhado com a caixa
recheada de desejos.
A missão dos padrinhos de João será, junto aos seus pais,
ajudá-lo a compreender, ao longo de sua vida, nos momentos que saberão eles
serem oportunos, a essência de cada desejo aqui representado.
Todos em silêncio. Pensando e refletindo nas palavras proferidas
pelo Pai do João. Palavras que brotaram do mais profundo desejo de ver o filho
querido e desejado ser uma pessoa íntegra, feliz e que respeite a natureza, os
pais, seus semelhantes, e sobretudo, a VIDA.
Os padrinhos, Maíta e Marcelo, desfizeram o laço de fita azul do
saquinho que continha os símbolos DOS OITO DESEJOS. E foram pedindo aos
avós, aos tios, aos amigos, que retirassem um objeto. À medida que os objetos
iam sendo retirados, os padrinhos mostravam-nos aos demais e liam em voz alta o
seu significado.
Um vidrinho transparente , tirado pelo tio Guiljerme. continha o primeiro símbolo dos oito
desejos. E foi colocado com carinho, pelos padrinhos, na caixa decorada por
eles:
A Água – esta água simboliza a Saúde. Que João respeite sua
própria natureza e preserve a saúde de seu corpo e sua mente em tudo o que se
propuser a fazer.
Depois uma pedrinha, trazida de uma praia do Oceano Pacífico, no Peru,
também foi guardada:
A Pedra – esta pedra simboliza o Aprendizado. Que João
tenha suas qualidades aperfeiçoadas pelas dificuldades naturais da vida, assim
como este seixo peruano teve sua beleza revelada pelos atritos em seu caminho.
Agora uma concha, vinda do fundo do mar de Guarapari, que encostada
ao ouvido nos faz ouvir o barulho do mar:
A Concha – esta concha simboliza a Comunicação. Que João
saiba ouvir a voz mais importante de todas: a sua própria, a intuitiva, a que
vem de dentro de si.
E uma vela foi acesa pelo Vovô Danilo. O priminho Pedro foi
quem apagou a chama. Também ela foi guardada:
A Vela – esta chama simboliza o Encantamento. Que João
jamais perca sua capacidade natural de admirar a beleza sutil que permeia o
Cosmos.
Um pequeno e verde pedaço de bambu surgiu do interior do saquinho
branco:
O Bambu – esta haste de bambu simboliza a Flexibilidade.
Que João saiba ser firme, porém flexível, mantendo seus pés no chão, e sua
curiosidade inata nas nuvens.
Um coquinho macaúba, vindo lá do Norte de Minas, foi o fruto
escolhido, e também simboliza um dos desejos ao nosso pequeno João. Esse coquinho
estava na cesta de frutas da casa do João desde que seus pais se casaram:
O Fruto – este fruto simboliza a Vida. Que João possa
plantar muitas sementes, no seu quintal e no coração das pessoas, e colher
muitos frutos frescos e alegrias ímpares.
Agora uma das primeiras fotos dos pais do João, ainda
adolescentes, sentados em um jardim florido:
A Fotografia – esta fotografia representa o Amor. Que João
possa experimentar a plenitude do Amor ao construir sua família, assim como
seus pais o tem experimentado desde que ele nasceu.
O último símbolo foi uma pena de um gavião Casaca-de-Couro, lá das
bandas do Rio Pandeiros, em Januária. A pena foi colocada na caixinha pelos
pais do João:
A Pena – esta pena simboliza a Liberdade. Que este rito de
iniciação celebrado por nós aqui presentes, liberte João para voar em busca de
seus próprios caminhos espirituais.
Nessa hora, ouviam-se indisfarçáveis soluços emocionados. O pai se
desmanchou em lágrimas várias vezes. Poucas vezes vi tanta emoção em um grupo
como nessa cerimônia simples e cheia de simbolismos de Amor e Respeito. Depois
de respirar fundo, o Papai Leo retomou a palavra:
Para finalizar esta celebração, gostaríamos de convidar a
vovó Marlene para conduzir o batismo do João. Este rito de iniciação comunica
ao João que seus pais, apesar de não católicos, compartilham dos valores
cristãos, por entenderem que nada mais são do que valores compartilhados por
toda a humanidade.
No momento do Batismo, gostaríamos de pedir aos presentes
que façam uma oração silenciosa para João, dentro de suas próprias crenças.
Pois aqui as intenções amorosas são mais importantes do que as crenças individuais.
A vovó Marlene disse belas palavras e procedeu ao batismo do neto.
A água estava numa jarra que pertenceu à bisavó Lourdes, e a “bacia” de vidro,
à trisavó Maria. Mais simbolismo impossível. Só o bebê João não chorou quando a
água foi derramada sobre sua cabecinha. E O Papai lembrou que o primeiro batizado
realizado por Jesus, foi também de um João.
O Pai Nosso e a Ave Maria foram rezados com fé e convicção, todos
pedindo a Deus que abençoasse e amparasse o pequeno João por toda a sua vida.
Tia Ruth pediu a palavra e, evangélica, disse nunca ter assistido uma cerimônia
tão bonita. Lembrou então uma passagem bíblica, quando Jesus diz que “onde
dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei aí, no meio deles”.
Terminada a cerimônia, muitos abraços e aplausos - o João adorou a
parte dos aplausos - e depois de fotos e mais fotos para lembrar esse dia tão
especial, começou-se a comemoração do Batizado do João.
O João é uma criança que antes de sua concepção já era amado por
seus pais de uma forma absoluta. Seu nascimento também foi especial, numa
banheira, ajudado pelo pai e pela coragem da mãe. A cerimônia do Batismo foi
uma declaração explícita desse Amor incondicional do Leo e da Renata a esse
filho que, com certeza, será um ser especial, feliz e muito bem resolvido
perante a Vida e o mundo que o cerca.
A feijoada ficou por conta da vovó Marlene e a os tira-gostos
foram feitos pela vovó Juju. As deliciosas sobremesas bem mineiras foram trazidas de Paracatu pela tia Ruth e tio Flô.