sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Crônica de uma Mãe Urbana

"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é CORAGEM" Guimarães Rosa


Na Semana Santa de 2003, finalmente, fomos para Planaltina, próximo do Distrito Federal, visitar nosso filho caçula, que estava morando na Reserva Ecológica de Águas Emendadas onde desenvolvia seu Projeto, com vistas à sua dissertação do Mestrado.
O cerrado e suas árvores retorcidas, a terra vermelha, o perfume do araticum maduro e o canto dos pássaros têm realmente uma certa magia. Os lugares são lindos. As veredas de buritis, alagadas pelas últimas chuvas, empresta ao lugar um certo ar de encantamento. Os pés de pequi estão por toda parte e prometem fartura nos próximos meses. Pequenos arbustos de murici, araçá e cagaita estão floridos a espera dos frutos doces e cheirosos. A vegetação mais densa e úmida da mata de galeria contrasta com a mais esparsa da reserva. É ali que os gaviões e mamíferos, mais difíceis de serem vistos, vivem e se reproduzem.
Fomos à área onde o Leo desenvolve seu trabalho e pudemos ver de perto os pássaros capturados na fina rede de seda e anilhados por ele e seus colegas pesquisadores. Fotografamos os filhotes de uma coruja bem grande, que ficou de longe nos olhando ameaçadoramente enquanto os pequerruchos eram examinados. Me diverti com os bandos de papagaios barulhentos, me encantei com o casal de pica-paus do pescoço dourado, com as tesourinhas, beija-flores e outros tantos pássaros com suas penas de colorido exuberante. Vi ninhos ocupados por pombas silvestres e seus ovos branquinhos, que foram cuidadosamente medidos, outros enormes, como os dos graveteiros, por aqui chamados de guaxos, e pude sentir toda a força de uma natureza protegida e preservada. Ouvi os relatos dos encontros com os lobos guarás, com os tamanduás-bandeira, com a suçuarana, com a cascavel e com a perigosa jararaca. Vi um tatu galinha, que se virou rapidamente e sumiu por dentro do mato entre uma nuvem de poeira vermelha e, com o susto, senti o quanto somos urbanos e mal preparados para esse tipo de vida. Receamos pela segurança do filho querido, esquecendo-nos que atravessar o centro da cidade ou mesmo ir para a Universidade é uma aventura bem mais arriscada que conviver com o canto dos pássaros, com os horizontes tingidos de rosa, com o calor do sol e com a doce agressividade do cerrado brasileiro. Realmente é um lugar diferente do caos das metrópoles onde nos acostumamos a viver. Sabemos que riscos existem, lá e aqui. Que viver é algo extremamente perigoso. Mas numa reserva ecológica os riscos são calculados, enquanto que nas grandes cidades não temos segurança nem pra chegar até a esquina, temendo um assalto ou uma bala perdida.
Interessante notar que, apesar da enorme quantidade de bichinhos como mariposas de todos os tamanhos, abelhas e vespas, formigas e besouros, lagartas e cigarras, os pernilongos e carrapatos não existem por lá. As aranhas são enormes e assustadoras e sempre dão as caras nos lugares mais escondidos da casa e mesmo no meio do mato, entre as folhas secas espalhados pelo chão.
Apesar da saudade que sentimos do Leo, sabíamos que ali ele estava feliz, realizando um sonho e um projeto super importante para seu futuro. Foi ótimo poder partilhar com ele seu novo habitat, foi bom ver como encarou com garra, responsabilidade e competência o trabalho pesado do campo e o trabalho intelectual exigido pela pesquisa que estava realizando. Foi muito bom poder compartilhar sua alegria ao descobrir um novo ninho a ser registrado, o canto de uma ave até então desconhecida , uma pegada na terra vermelha: - Será um teiú? Um tatu? Um veado?
E depois... cozinhar, descongelar a geladeira, enterrar o lixo orgânico, separar o lixo seco a ser levado para a cidade, trancar a casa, preparar a "matula" para o dia seguinte, lavar a louça, fazer as compras em Planaltina, estudar, estudar, estudar...registrar o trabalho do dia...anotar...rever anotações e ler..ler... e ler mais um pouquinho antes de, finalmente, ir dormir. Dormir para acordar às 4 horas, em plena madrugada,vestir a roupa de campo, pegar a bicicleta e seguir, com uma lanterna na cabeça , para a área de pesquisa, que fica distante 10 quilômetros da casa onde mora. Ainda resta uma grande extensão de “picadas” a serem abertas com o facão, apesar dos muitos já abertos e que deixaram as mãos do rapaz cheias de calos e cortes.
Tenho certeza que ele ainda tem muito a aprender e muito mais a ensinar aos pais que não conseguem esconder o orgulho de tê-lo como filho.
Nosso filho é nosso herói!!!

Para o Leo, passarinheiro de carteirinha e viciado em biologia....

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Passos de Anchieta

" De todos, o caminho mais longo é o que leva da mente para o coração."
Eu, Miriam, Raquel e Márcia resolvemos fazer a caminhada coordenada pela ONG Abrapa (Associação Brasileira dos Amigos do Padre Anchieta) em Junho de 2001. Fizemos o mesmo trajeto que o padre Jesuíta fez a mais de 400 anos. São aproximadamente 105 quilômetros.
Diante da Catedral Metropolitana de Vitória, pegamos nossas credenciais (onde seriam carimbadas as diversas etapas vencidas), bonés e camiseta com o mapa do caminho a ser percorrido e já sentindo o clima dos próximos três dias. Muita gente reunida, animada, participando do aquecimento, tentando se enturmar, rindo e cantando durante a bênção dada pelo padre, que desejou uma caminhada tranquila e sem transtornos.
A procissão "se arrastando que nem cobra pelo chão", desce até o porto, passa em frente ao Palácio do Governo até chegar aos ônibus que nos tirariam da Ilha. São quase três mil pessoas. Enormes filas, sem reclamações, sem estresse, sem mau humor. Descemos em Vila Velha e começamos a subida até o Convento da Penha, pela Ladeira das Sete Voltas. Caminho penoso e de aclives acentuados tornam o trecho bastante cansativo. O silêncio só é quebrado pelo canto dos pássaros e o arquejar dos caminhantes. Lá de cima se descortina uma paisagem de tirar o fôlego. Descemos por outra estrada e, na área privativa o Exército, uma banda nos aguarda, dando as boas vindas e os soldados mais bonitos do batalhão ficam em posição de sentido, demonstrando apreço aos peregrinos.
Morro Moreno, praias da Ribeira e da Costa, travessia da Ponte da Madalena toda enfeitada de buquês de flores pelos moradores que nos aguardavam, Barra do Rio Jucu... A chuva começa a ameaçar nossa próxima etapa. Os pés doem, a musculatura das pernas parece em brasa e a cãibra ameaça a Raquel. Vamos em frente que atrás vem gente...
Em cada ponto de parada, enfermeiros, bombeiros e voluntários cuidam dos pés dos caminhantes. Furam as bolhas, fazem curativos, massageiam os mais doloridos, dão conselhos, incentivam, oferecem frutas e água. Sorriso e solidariedade é o que não falta. É como se fôssemos parentes ou velhos amigos. Os últimos quilômetros foram difíceis, mas afinal chegamos na Ponta da Fruta. Fomos saudadas com fogos de artifício, tapete vermelho, flores e um belo rapaz, vestido de Padre Anchieta, abençoava quem conseguiu chegar. A Miriam beijou-lhe as mãos.
De carona, fomos direto para a Pousada que reservamos por telefone. Mofo à vontade, banheiro meio limpo-meio sujo e camas razoáveis. Pelo menos isso. Obedecendo à Marcia, que é médica, fizemos vinte minutos de alongamento, jantamos ali perto e trocamos idéias sobre o caminho e as dores de cada uma.
Às cinco horas acordamos, fizemos mais alongamento e fomos tomar o café. Ali ficamos sabendo que essa era uma etapa difícil. Já havia andarilho com pé enfaixado, cajados e bengala para apoio e joelhos inchados. Recebemos um pequeno lanche para levar e começamos a jornada. Cada um caminha no seu ritmo. O importante é chegar.
O Parque Ecológico Paulo Vinhas é uma reserva que reúne Mata Atlântica, restinga e algumas lagoas. Biólogos nos pedem para não pisar fora da trilha para não estragarmos a frágil vegetação. Todos em fila. Ninguém ultrapasssa ninguém. As pessoas conversam com quem está às suas costas ou à sua frente, sem ver o rosto do interlocutor. O que importa é vencer obstáculos com cuidado para não cair. E, se cair, o companheiro de jornada, com certeza, vai ajudar. Se alguém precisa fazer xixi, avisa e ninguém se vira para olhar. Não tem onde se esconder. É praia de um lado e vegetação rasteira de outro. Existe um acordo tácito entre as pessoas. A areia fofa dificulta a caminhada. Por fim chegamos à Lagoa dos Caraís. A água é fria, cor de coca-cola, mas não podemos parar mais que dez minutos para não agravarmos as dores musculares. Um caminhão de cocos verdes e gelados nos aguarda. Logo estamos pisando as areias da Praia de Setiba Pina (Setibão). Muita gente se aproxima dos andarilhos, oferecem fruta, água e sorrisos.
Raquel não consegue mais andar por causa das cãibras. Vai de ônibus para Guarapari, nos esperar no hotel. "A mais difícil de todas as decisões: Voltar atrás - não para desistir, mas para começar de novo. Recomeçar."*
Setiba, Santa Mônica, Perocão e sua ponte também enfeitada de flores e fitas. Depois de longa e exaustiva subida, entramos na mata por uma trilha estreita e perigosa. Descemos por uma imensa pedra, coberta de cactus, arriscando a escorregar, até chegarmos às Três Praias de águas azuis e calmas e bares acolhedores.
Seguir adiante é a palavra de ordem. As dificuldade profetizadas em Ponta da Fruta começam a se materializar. O grande bloco de pedra a ser transposto é meio assustador. A maré baixa nos favorece. Não há a opção de voltar e as fendas profundas são mesmo perigosas. Custamos a vencer esse pedaço do caminho até chegarmos à Praia da Cerca e a Praia do Morro, nossas velhas conhecidas que estavam mais compridas do que nunca, pelo menos para nossos corpos cansados e nossos pés doloridos. Só conseguimos o carimbo na credencial na Praia das Areias Pretas. No hotel, a Raquel nos esperava dormindo. Alongamentos, gemidos, risos, banho, fome. Muita fome! No Max Peixadas, as panelas de barro fervilhantes com a moqueca capixaba, o pirão, a pimenta e o chope gelado nos dão o conforto e o alento que precisamos nesse momento.
Cinco horas e já de pé para novos alongamentos. Untamos os pés com vaselina liquida e envolvemos cada dedo com esparadrapo, pois as temíveis bolhas já estão presentes, para nosso tormento. Saímos em direção ao Edifício Center, de onde se tem a melhor vista de Guarapari. Lá de cima vemos a Praia do Ipiranga e do Riacho, a Samarco, onde os navios recebem todo o minério para o exterior. Agora é caminhar pelo asfalto e caminhar por ele é arriscado. A tensão domina todo o grupo. Os criadores de cavalos Campolina nos acompanham por um bom tempo, tocando o berrante de quando em quando. Enseada Azul, Meaípe, Lagoa de Maembá. Um grupo de motociclista nos incentivam. Aplaudidos, os caminhantes prosseguem debaixo de uma garoa fria. Por uma estradinha de terra chegamos à Praia do Ubu, onde crianças vestidas de índio nos aguardam para fotos e mais sorrisos. Pescadores de aparência modesta nos oferecem graciosamente pipocas, mamão e água. Agradecemos e tocamos em frente. Ainda tem muito chão a ser vencido. Descansamos por alguns minutos num lugar chamado Guanabara, uma linda pousada amarela, uma praia de rara beleza e mais carinho para quem se sente no limite da exaustão. O caminho agora é ladeado por pequenas árvores, casebres cobertos de palha, um coqueiro aqui e ali, vacas magras pastando mansamente.
Praia dos Castelhanos, tempo fechado. Eu já me sentia um passarinho de tanta fruta comida pelo caminho... Agora começa a reta final. Descemos vagarosamente pra Anchieta. A praia é feia, barrenta, destruída pela última ressaca. Tirei a sandália. Não aguento as dores na bolha estourada. Vou de meias até o final.. O povo da cidade se mostra alegre, aplaude quem chega, oferece o que tem. Água, maçã, chá...
O Santuário de Nossa Senhora da Assunção fica pequeno pra tanto caminhante. Voluntários ajudam a quem precisa de massagem, curativos nas bolhas dos pés e das assaduras nas coxas dos mais gordinhos. Todos, apesar de exaustos, estão felizes. Rezamos um pouco, pegamos nosso diploma de peregrino e fomos para o hotel. Pagamos cinco Reais para tomar um banho e trocar de roupa.
Esperamos pelo táxi num modesto restaurante onde comemos alguns ovos fritos e um macarrão horroroso, com cerveja gelada. Fomos direto para o aeroporto de Vitória onde embarcamos pra Belo Horizonte.
Aprendemos que a solidariedade é uma lei do caminho. Outra é a humildade de pedir ajuda.
"Uma travessia não termina em qualquer lugar, mas num ponto preciso, escolhido e alcançado. Enquanto não se toca esse ponto , travessia nenhuma existe." *
Este post vai para a Miriam, que durante todo o percurso nos proporcionou ótimos momentos, risadas descontroladas e piadas inéditas, como a do caixão cor-de-rosa.
* Paratii - Amir Klink

domingo, 23 de setembro de 2007

BONANÇA - Eu conheço. E você?

" Ardia aquela fogueira, que me esquentava a vida inteira, eterna noite, sempre a primeira festa do interior" Moraes Moreira/Abel Silva
Estava curiosa para participar de uma festa do interior.
Praticamente me ofereci para ir com a família "festeira" para Bonança, antiga Palmeira, município de Ibiracatu, distante quase 200 quilômetros de Montes Claros. Quarenta são de estrada de terra, melhor dizendo, de areia. Solta, vermelha e muito fina. Depois de muito preparo, três mil bandeirinhas de papel de seda, trocentos metros de correntes de crepon colorido, arrecadação de dinheiro com os amigos e parentes, confecção de bonecos para a decoração do salão, organização das roupas recebidas em doação e compra das prendas para as crianças partimos dia 28 de junho de 2003 para a tão esperada festa de São Pedro.
Um pneu furado fez a alegria do Marcelo e do Leo que tiveram de brigar com um porta-malas lotado, um parafuso teimoso e o sol escaldante do sertão.
Bonança é um pequeno povoado, com uma igrejinha amarela plantada no meio de um conjunto de casinhas pequenas, uma caixa d´água, uma quadra de esportes e uma construção pintada de azul, que é o salão de festas recém-construído. Três grandes e frondosas árvores, uma das quais plantadas pelo velho José Vicentino Ferreira, avô da Renata há mais de quarenta anos, bancos de madeira e um velho carro de bois. Tudo avermelhado pela areia fina, que é uma constante na vida de quem mora no lugarejo. As casas são rente à rua, janelas e portas de madeira, muitas sem muros. Os jardins são plantados com as poucas flores que resistem ao clima quente e seco. Os carros são raros. Alguns cavalos descansam à sombra, moradores curiosos chegam às janelas, outros acenam para quem chega, com o melhor dos sorrisos. Descemos do carro e já encontramos a Orlene limpando a entrada de casa e nos recebendo com alegria. Quase que imediatamente entra a Marlene e mais de uma dúzia de pessoas gritando e rindo, nos abraçam com carinho enquanto os foguetes de boas vindas sobem aos céus, anunciando para todos da cidade que acabamos de chegar.
Em Bonança a vida corre lenta. O vilarejo é apenas um amontoado de casinhas em volta de uma igreja muito simples e antiga e uma quadra de esportes construída por algum político da região. Para a festa deste ano foi construído um salão de festas, também no meio da vila. A areia que cobre todas as ruas é vermelha e entra nos olhos, na boca e cobre tudo que você vê, comida, roupas, cabelos... O vento sopra com força e espalha os grãozinhos por todos os cantos de Bonança. Ali se cria gado e a lavoura é muito pobre. A seca impera no norte de Minas, principalmente nesta época do ano. Se a cidade é minúscula, o coração de seus moradores é maiúsculo. Recebem com prazer, acolhem a todos com um sorriso e a inesgotável disposição para um dedo de prosa. Com linguajar típico nos contam histórias do passado, sempre com aquele tom mineiro, cheio de mistérios e superstições.
Fiz coisas que jamais pensei em fazer: estiquei cordões de bandeirinhas coloridas em plena rua, enfeitei um jegue (uma jeguinha?) para a cavalgada de São Pedro, ajudei e ornamentar o mastro do padroeiro com papel crepon nas cores do santo, participei de um leilão onde se podia arrematar doces, bandejas de comidas, carnes assadas, bezerros amarrados a postes de madeira e os lindos pés de bala, que são galhos de pereira enfeitados de papel de seda e cheios de balas, amendoins e pipocas, a exemplo das árvores de natal. Esses pés de bala são tradicionais na festa de São Pedro. Segui a procissão, ouvindo os cantos tradicionais e admirando as pequenas velas de cera de abelha jataí, acesas nas mãos dos devotos, espalhando seu cheiro característico, um misto de mel e fumaça.
A festa incluía comida e bebida para todos da cidade, oferecidos pela família "festeira" Amador de Melo, além do café com biscoito. Nunca vi tanta comida. Um boi foi sacrificado para a ocasião e preparado com arroz, no fogo de chão espalhados pelo quintal da casa, debaixo das velhas laranjeiras e pés de pinha. Biscoitos de peta, ginete e de goma fizeram a alegria da criançada. Todos, apesar da humildade do lugarejo, aguardavam o que lhes era oferecido com tranqüilidade, conversando com os amigos e curtindo aquele momento tão raro de alegria e confraternização. E a dona Geralda não queria que os convidados (a cidade inteira), fossem servidos através da janelinha de uma das casa. Queria que todos entrassem na casa. Como? Eram mais de quinhentas pessoas... Mas pelo menos as amigas dela tiveram de entrar e sentar para serem servidas, atendendo a exigência da matriarca.
No dia seguinte à festa, fui junto com o Leo, a Renata e algumas crianças da região num lugar incrível, chamado Chupa. É uma longa caminhada onde se percebe claramente a fusão entre o cerrado e a caatinga. Nunca tinha visto este tipo de vegetação e fiquei observando aquelas árvores secas e cobertas de espinhos, que parecem mortas, mas que com as primeiras chuvas vão explodir em brotos, flores e sementes. O Chupa é um enorme abismo de pedra lisa por onde corria um rio caudaloso e que hoje encontra-se totalmente seco. Pelo que contam os antigos moradores havia ali um redemoinho onde as pessoas eram chupadas e acabavam morrendo, engolidas pelas águas. Meu filho, as crianças e a Renata desceram ao fundo da grota e andaram até onde existe um impressionante paredão cheio de centenárias barrigudas, que são árvores enormes e típicas da região. Faltou coragem para que eu os acompanhasse nesta pequena aventura.
Foram três dias de muita festa, forró, crianças felizes com o movimento de pessoas estranhas. comida boa, cerveja gelada, picanha gorda (de dois pelos) e carne de sol assadas na brasa e a famosa cachaça da região.
A viagem de volta demorou doze horas. Voltei pensando no tamanho desmedido desse nosso país, na falta de recursos e de conforto desses brasileiros que sobrevivem aos políticos e suas promessas jamais cumpridas, nos seus hábitos tão diferentes, na pureza de sua alegria ingênua e, principalmente, na hospitalidade dessas pessoas que não têm nenhum receio de abrir suas casas e corações para os forasteiros. Não existe neste sertão das Geraes a desconfiança, a pressa, o medo e insegurança que vivenciamos no dia-a-dia das grandes cidades.

Esse post vai para a Evilane, que lá da Itália, ainda chora de saudades desse lugarzinho que fica , segundo ela, "atrás do mapa".

sábado, 22 de setembro de 2007

VIAGENS - A melhor viagem sempre é a próxima

"Viagem é uma maneira divertida de explorar o mundo, conhecer outras gentes, outros costumes..."
Viajar sempre fez parte da minha vida, do meu aprendizado, da minha maneira de enxergar o mundo. Desde muito cedo que isso era uma rotina em nossa casa. Meus pais e meu avô Ricardo acreditavam que viagens eram, além de lazer, uma forma de nos proporcionar conhecimentos. Praias, fazendas, sítios, grutas, cidades históricas... Em Guarapari, onde fomos inúmeras vezes não ficávamos sentados na areia, esquentando ao sol. Caminhávamos pela orla, eu, meus irmãos e amigos que pegavam carona conosco, catando conchas e algas, observando os pequenos crustáceos e estrelas do mar e restos de corais. Admirávamos as aves marinhas em volta dos pescadores, à espera de algum peixinho que escapasse da rede. Sabíamos se o vento sul ia estragar nosso dia ou se a lua seria cheia naquela noite.
As cidades históricas de Minas eram dissecadas pelo velho Ricardo que nos conduzia pelas ladeiras de pedra a discorrer sobre os inconfidentes, os bandeirantes e o ouro das Geraes...
Lembro muito bem, no Largo das Forras, na primeira vez que fui a Tiradentes, ele recitando os versos feitos pelo apaixonado inconfidente Tomás Gonzaga para Bárbara Heliodora: -"Bárbara Bela, do norte estrela, que o meu destino sabes guiar..."
Meu pai gostava de nos contar sobre o pesquisador Dr. Lund, quando nos levava nas grutas de Maquiné e da Lapinha. E um dia, nos levou ao Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro para vermos os esqueletos de dinossauro encontrados pelo arqueólogo dinamarquês. E vimos muito mais que isso. Viagem inesquecível e que rendeu muita conversa.
Mesmo quando não estávamos na estrada, fazíamos planos para a próxima viagem, contávamos casos das que já tínhamos feito ou líamos sobre as viagens de outras pessoas. Era assunto recorrente.
Com meus pais, marido e o primeiro filho que ainda não completara dois anos, em 1976 fizemos uma longa viagem pelo sul do Brasil. As maravilhas das Cataratas do Iguaçu, os monumentos de arenito de Vila Velha, os vinhedos das serras gaúchas e a revoada de garças nos pampas são paisagens inesquecíveis. Atravessamos as fronteiras da Argentina e Paraguai conversando com ao povo da região, conhecendo seu linguajar, culinária e costumes. Foram quase oito mil quilômetros de estradas percorridos numa Caravan branca por estradas, naquela época, muito boas.
Vinte anos depois, eu Danilo percorremos, em excursão, todas as capitais do Nordeste, indo pelo litoral e voltando pelo árido sertão brasileiro. Belas praias, fortificações históricas, igrejas e mosteiros, museus de arte sacra, mercados e a cozinha regional nos deram uma clara idéia da miscigenação e da riqueza cultural do nosso país.
A arte popular do nosso país é riquíssima. Há quem chame de artesanato. Não é porém uma arte menor. Mestre Vitalino, as mulheres rendeiras do Sul e do Nordeste, as tapeceiras de Diamantina, as ceramistas do Vale do Jequitinhonha, os escultores de carrancas e de santos, as bordadeiras, os pintores primitivos....
Em todas as viagens procuro um pouco mais dessa arte popular de tantas influências... Indigena, européia, africana...
Nesse espaço, ainda vou escrever muito sobre outras viagens, passando por Paris, Sabará, Helsinque, Salvador, Tallin, Roma, Bonança... sabe onde é Bonança? Eu sei.

domingo, 16 de setembro de 2007

Gastronomês

" Em conversa de gourmets, tudo pode acabar em terrine"


Como já falei anteriormente, ser cozinheiro está na moda e a sofisticação chegou às raias do ridículo. Broto de feijão virou moyashi, palito japonês agora é hashi, cogumelo é funghi, bolinho de chocolate é o petit gateaux e o prosaico vinho tinto ganhou ares refinados. Agora é bordeaux. Isso, sem falar no prosecco, que de champagne não tem nada. Claro que a gastronomia sempre foi cheia de nomes franceses e italianos, mas o gastronomês, realmente é uma língua complicada, difícil e que requer anos de estudo.
Cansado de ficar horas e horas ouvindo os novos gourmets falando um linguajar que não é para qualquer mortal entender, meu amigo inventou um recurso que deixa todo mundo com a pulga atrás da orelha. Combina de antemão, com o cunhado ou companheiro de mesa, e quando, inevitavelmente, o assunto vem à tona, ele se sai com essa frase, sempre de modo casual, sem qualquer afetação:- E quando é troblado no alfengue? O interlocutor, conhecedor da artimanha, diz sem pestanejar: - Fantástico! A impressão é que os sabores são despertados de um sono profundo. Troblar não é pra qualquer um. Os companheiros de copo e de vinho, ficam a se entreolhar, mas nenhum dá o braço a torcer. Requer um certo refinamento. Há um silêncio constrangedor até que um resolve se arriscar: - E o alfengue? Meu amigo é rápido ao responder, sem dar chance a outra pergunta: -Prefiro o importado. O nacional é meio insosso. Mesmo quando se trobla muito bem, fica um sabor meio estranho. Ao que o cúmplice completa, sem pestanejar: - Mesmo em fogo brando.... o melhor mesmo é o iraniano. Essa guerra do Bush tem trazido dificuldades ao mercado, mas a gente sempre consegue. Agora, com a baixa do dólar...
E assim vão até que ou os amigos mudem de assunto ou alguém pergunta descaradamente o que é aquilo que eles estão falando.
Bem... aí acaba a brincadeira, em meio a sorrisinhos desapontados e ou a gargalhadas sonoras. Depende dos gourmets reunidos naquela mesa.

Esse post vai para o Bruno, profundo conhecedor do gastromês clássico.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Lugar de homem é na cozinha

"Cozinhar bem é como criar uma obra de arte. Quem gosta de cozinhar, também gosta de inventar"

Desde muito cedo que transito pela cozinha com mais desenvoltura que pela sala de visitas. Minha avó, minha mãe, meu pai. Todos gostavam da lida. Muitas vezes vi amigas me olhando de lado, como se eu fosse uma espécie em extinção. Hoje, finalmente estou na moda. Em qualquer festa, reunião, revista semanal, novela da Globo, jornal escrito ou televisado, canal a cabo ou almoço em família o assunto está presente.
A cozinha que conheci quando criança era simples, os ingredientes comprados na esquina e a dona da casa punha a mão na massa. Literalmente. Minha mãe fazia a massa do macarrão em casa, minha avó era perita no pudim de pão, doce de laranja da terra, pé-de-moleque. Meu saudoso pai, filho de uma italiana de Ferrara, modelava os capelettis um a um, por ocasião do Natal.
Hoje é cada vez mais comum um homem envolvido com a culinária. Meu avô tinha orgulho em dizer que jamais fizera um mísero chá, pois cozinha era território feminino. Movidos por prazer, vaidade ou desejo incontido dos elogios que certamente virão, muitos já trocaram o paletó e a gravata pelo fogão, que pilotam com competência e paixão.
Ligo a tv e vejo o francês Olivier Anquier fazendo pratos da culinária tupiniquim, o inglês Jammie Oliver preparando uma feijoada brasileira e o mestre Alex Atalla misturando foie gras com tucupi, ou fazendo tapioquinha com calda de bordo. Em todos os canais abertos temos programas e mais programas dedicados ao assunto. A variedade inesgotável de ingredientes que estão à espera dos mais ousados no mercado é uma verdadeira festa para quem quer inventar, inovar, experimentar. Pratos requintados, complexos e cheios de truques desafiam os que são leigos. Vocábulos desconhecidos como fuê, bouquê garni, merengue, terrine, fondue, quiche, profiteroles, funghi são um verdadeiro enigma. Verbos como gratinar, saltear, degustar, flambar, harmonizar, aromatizar e clarificar fazem parte das conversas nas confrarias de gourmets espalhadas por aí. Ingredientes até bem pouco tempo desconhecidos, como aceto, cheddar, anchovas, radichio, broto de alfafa, trufas e escargots se encontram facilmente no "mercadão" ou nos sacolões. Também as carnes raras como as de avestruz, javali , jacaré faisão ou vitela. Queijos amadurecidos nas cavernas francesas ou italianas (suíças, talvez). Os temperos vêem de todo o planeta. O curry da India, as pimentas da Jamaica, da Calábria ou da Síria, o orégano do Chile, as sementes de mostarda da Holanda, o cominho do Peru, o cardamomo dos países árabes juntaram-se aos nossos temperinhos como alho, sal e pimenta do reino. Frutas exóticas como o tamarillo, curuba, physalis e a pitaya estão chegando da Colômbia para enfeitar as saladas e sobremesas mais elaboradas.
Todos os dias ouvimos um novo chef adjetivar cafés, vinhos, azeites, queijos ou cervejas com palavras antes só utilizadas quando se falava de mulheres. Observem. Delicadeza, graça, sutileza, finura, primor, perfeição, perfume, textura....
O mundo culinário e gastronômico cada dia ganha ares mais sofisticados. Restaurantes de todo o planeta dão uma idéia clara de globalização. Os mexicanos com guacamoles picantes, os japonese com sushis delicados, os árabes e seus petiscos perfumados com hortelã, os espanhís e os tapas deliciosos, italianos, chineses, tailandeses, iranianos, argentinos, espanhóis ... Uma verdadeira overdose de nacionalidades.
A Internet é um mundo à parte quando se fala em arte culinária. Os novos livros lançados, equipamentos para a cozinha, ingredientes sofisticados, banco de dados com milhares de receitas, entrevistas com grandes e famosos chefs deixam-nos a certeza que o assunto é inesgotável. A história da culinária remonta períodos biblicos, quando a alquimia do pão, do azeite e do vinho já eram preocupações humanas. Essa história, se não me engano começa com os chineses, depois com gregos, romanos...
Filmes como A Festa de Babette; Chocolate; Vatel, o Cozinheiro do Rei e tantos outros nos convidam a celebrar a cozinha como o lugar onde os aromas, os sons, os sabores, as cores e texturas desafiam e excitam nossos cinco sentidos.


Este texto é para o Felipe e suas dúvidas quanto ao futuro, que chega mais rápido do que nossa vã filosofia pode supor.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Será que é tão fácil?

" Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca as ideias." Pablo Neruda



E... parece fácil. Mas tem dias em que a letra maiúscula e o ponto final estão ali, prontos para lhe ajudar na tarefa de escrever. Mas, as ideias.... Essas não chegam, não se constroem, lhe confundem. Estou pensando que se fosse a editora de um jornal seria fácil. Posso escrever a primeira página, com as manchetes de sempre: Renan, Bush, Bagdá, Osama, Lula, traficantes, polícia federal, morte nas estradas... Fácil. Letras grandes, fotos recentes ou de arquivo. Tanto faz. As noticias e os personagens são sempre os mesmos. O olhar é que muda.Depende do momento, do estado de espírito.
Sei que escrever não é tão fácil assim. É , como já li em algum lugar, dez por cento de inspiração e noventa por cento de transpiração.
Há que trabalhar. Suar a camisa...