" Ardia aquela fogueira, que me esquentava a vida inteira, eterna noite, sempre a primeira festa do interior" Moraes Moreira/Abel Silva
Estava curiosa para participar de uma festa do interior.
Praticamente me ofereci para ir com a família "festeira" para Bonança, antiga Palmeira, município de Ibiracatu, distante quase 200 quilômetros de Montes Claros. Quarenta são de estrada de terra, melhor dizendo, de areia. Solta, vermelha e muito fina. Depois de muito preparo, três mil bandeirinhas de papel de seda, trocentos metros de correntes de crepon colorido, arrecadação de dinheiro com os amigos e parentes, confecção de bonecos para a decoração do salão, organização das roupas recebidas em doação e compra das prendas para as crianças partimos dia 28 de junho de 2003 para a tão esperada festa de São Pedro.
Um pneu furado fez a alegria do Marcelo e do Leo que tiveram de brigar com um porta-malas lotado, um parafuso teimoso e o sol escaldante do sertão.
Bonança é um pequeno povoado, com uma igrejinha amarela plantada no meio de um conjunto de casinhas pequenas, uma caixa d´água, uma quadra de esportes e uma construção pintada de azul, que é o salão de festas recém-construído. Três grandes e frondosas árvores, uma das quais plantadas pelo velho José Vicentino Ferreira, avô da Renata há mais de quarenta anos, bancos de madeira e um velho carro de bois. Tudo avermelhado pela areia fina, que é uma constante na vida de quem mora no lugarejo. As casas são rente à rua, janelas e portas de madeira, muitas sem muros. Os jardins são plantados com as poucas flores que resistem ao clima quente e seco. Os carros são raros. Alguns cavalos descansam à sombra, moradores curiosos chegam às janelas, outros acenam para quem chega, com o melhor dos sorrisos. Descemos do carro e já encontramos a Orlene limpando a entrada de casa e nos recebendo com alegria. Quase que imediatamente entra a Marlene e mais de uma dúzia de pessoas gritando e rindo, nos abraçam com carinho enquanto os foguetes de boas vindas sobem aos céus, anunciando para todos da cidade que acabamos de chegar.
Em Bonança a vida corre lenta. O vilarejo é apenas um amontoado de casinhas em volta de uma igreja muito simples e antiga e uma quadra de esportes construída por algum político da região. Para a festa deste ano foi construído um salão de festas, também no meio da vila. A areia que cobre todas as ruas é vermelha e entra nos olhos, na boca e cobre tudo que você vê, comida, roupas, cabelos... O vento sopra com força e espalha os grãozinhos por todos os cantos de Bonança. Ali se cria gado e a lavoura é muito pobre. A seca impera no norte de Minas, principalmente nesta época do ano. Se a cidade é minúscula, o coração de seus moradores é maiúsculo. Recebem com prazer, acolhem a todos com um sorriso e a inesgotável disposição para um dedo de prosa. Com linguajar típico nos contam histórias do passado, sempre com aquele tom mineiro, cheio de mistérios e superstições.
Fiz coisas que jamais pensei em fazer: estiquei cordões de bandeirinhas coloridas em plena rua, enfeitei um jegue (uma jeguinha?) para a cavalgada de São Pedro, ajudei e ornamentar o mastro do padroeiro com papel crepon nas cores do santo, participei de um leilão onde se podia arrematar doces, bandejas de comidas, carnes assadas, bezerros amarrados a postes de madeira e os lindos pés de bala, que são galhos de pereira enfeitados de papel de seda e cheios de balas, amendoins e pipocas, a exemplo das árvores de natal. Esses pés de bala são tradicionais na festa de São Pedro. Segui a procissão, ouvindo os cantos tradicionais e admirando as pequenas velas de cera de abelha jataí, acesas nas mãos dos devotos, espalhando seu cheiro característico, um misto de mel e fumaça.
A festa incluía comida e bebida para todos da cidade, oferecidos pela família "festeira" Amador de Melo, além do café com biscoito. Nunca vi tanta comida. Um boi foi sacrificado para a ocasião e preparado com arroz, no fogo de chão espalhados pelo quintal da casa, debaixo das velhas laranjeiras e pés de pinha. Biscoitos de peta, ginete e de goma fizeram a alegria da criançada. Todos, apesar da humildade do lugarejo, aguardavam o que lhes era oferecido com tranqüilidade, conversando com os amigos e curtindo aquele momento tão raro de alegria e confraternização. E a dona Geralda não queria que os convidados (a cidade inteira), fossem servidos através da janelinha de uma das casa. Queria que todos entrassem na casa. Como? Eram mais de quinhentas pessoas... Mas pelo menos as amigas dela tiveram de entrar e sentar para serem servidas, atendendo a exigência da matriarca.
No dia seguinte à festa, fui junto com o Leo, a Renata e algumas crianças da região num lugar incrível, chamado Chupa. É uma longa caminhada onde se percebe claramente a fusão entre o cerrado e a caatinga. Nunca tinha visto este tipo de vegetação e fiquei observando aquelas árvores secas e cobertas de espinhos, que parecem mortas, mas que com as primeiras chuvas vão explodir em brotos, flores e sementes. O Chupa é um enorme abismo de pedra lisa por onde corria um rio caudaloso e que hoje encontra-se totalmente seco. Pelo que contam os antigos moradores havia ali um redemoinho onde as pessoas eram chupadas e acabavam morrendo, engolidas pelas águas. Meu filho, as crianças e a Renata desceram ao fundo da grota e andaram até onde existe um impressionante paredão cheio de centenárias barrigudas, que são árvores enormes e típicas da região. Faltou coragem para que eu os acompanhasse nesta pequena aventura.
Foram três dias de muita festa, forró, crianças felizes com o movimento de pessoas estranhas. comida boa, cerveja gelada, picanha gorda (de dois pelos) e carne de sol assadas na brasa e a famosa cachaça da região.
No dia seguinte à festa, fui junto com o Leo, a Renata e algumas crianças da região num lugar incrível, chamado Chupa. É uma longa caminhada onde se percebe claramente a fusão entre o cerrado e a caatinga. Nunca tinha visto este tipo de vegetação e fiquei observando aquelas árvores secas e cobertas de espinhos, que parecem mortas, mas que com as primeiras chuvas vão explodir em brotos, flores e sementes. O Chupa é um enorme abismo de pedra lisa por onde corria um rio caudaloso e que hoje encontra-se totalmente seco. Pelo que contam os antigos moradores havia ali um redemoinho onde as pessoas eram chupadas e acabavam morrendo, engolidas pelas águas. Meu filho, as crianças e a Renata desceram ao fundo da grota e andaram até onde existe um impressionante paredão cheio de centenárias barrigudas, que são árvores enormes e típicas da região. Faltou coragem para que eu os acompanhasse nesta pequena aventura.
Foram três dias de muita festa, forró, crianças felizes com o movimento de pessoas estranhas. comida boa, cerveja gelada, picanha gorda (de dois pelos) e carne de sol assadas na brasa e a famosa cachaça da região.
A viagem de volta demorou doze horas. Voltei pensando no tamanho desmedido desse nosso país, na falta de recursos e de conforto desses brasileiros que sobrevivem aos políticos e suas promessas jamais cumpridas, nos seus hábitos tão diferentes, na pureza de sua alegria ingênua e, principalmente, na hospitalidade dessas pessoas que não têm nenhum receio de abrir suas casas e corações para os forasteiros. Não existe neste sertão das Geraes a desconfiança, a pressa, o medo e insegurança que vivenciamos no dia-a-dia das grandes cidades.
Esse post vai para a Evilane, que lá da Itália, ainda chora de saudades desse lugarzinho que fica , segundo ela, "atrás do mapa".
4 comentários:
Ju,chorei mais ainda ao ler esse texto.Vc descreveu tao bem Bonança que nao foi dificil me transportar através da leitura e reviver cada detalhe,cada emoçao desse lugar que esta sempre em meu coraçao.Estou do outro lado do mundo e a saudade e muito grande,por isso so tenho que te agradecer por trazer Bonança até aqui.Obrigada de coraçao por dividir as suas emoçoes conosco.Beijos
Muito obrigado por ter visitado Bonança e pelo texo descrevendo o local, volte outras vezes estarenos la de braços aberto para receber e tomar café com biscoito.
Naci naquele povoado sei de muitas história que aconteceram lá além das lendas tem muitos fatos reais tambem, povo bom e humilde, o povoado parou no tempo, ném parece que estamos no século xx1.
Um abraço e fique com Deus.
Acho que as pinhas de Bonança são as pinhas mais doce do Brasil,o biscoito frito nem se fala o andú frito com torresmo é uma delicia, ficar em local escuro para contemplar as estrelas no céu me deixa encabulado não sei se voce prestou atenção na reza a ladainha é rezada em Latim puro, e por ai se vai. um abraço.
Nossa que legal!!! Seu texto a respeito da minha cidade natal ficou maravilhoso!!! Quando saí de lá tinha apenas cinco anos, mas minha família toda continuou lá, hoje só meus pais.Não teve uma vez que eu voltasse a passeio que eu não chorava ao ir embora, hoje moro em Montes Claros, apesar de ser super perto fico com o coração apertado quando lembro da minha infância naquele lugarzinho pacato, minha família toda reunida, hoje é quase impossível reunir todos, vive todo mundo espalhado. Sinto que alí é meu ponto de referência, é de onde trago as melhores lembraças e onde ganhei o melhor presente de Deus; minha FAMÍLIA....Valeu, Obrigada!!!Beijão!!!!
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