" Para cada coisa que sei, há pelo menos cem que não sei."
Na minha memória mais remota está sempre presente a figura severa do meu avô Ricardo, nascido no primeiro dia de I888 e que jamais frequentou uma escola regular. Tudo que o pai e os livros puderam lhe ensinar ele aprendeu. E aprendeu por toda a vida. Ele viu surgir a luz elétrica, o avião, o rádio, o cinema mudo, o telefone... Gostava de viajar, de ler tudo o que lhe caía nas mãos e, sobretudo, de repassar seu insuperável conhecimento, adquirido durante os 93 anos em que viveu. Questionava tudo, buscava certezas nos velhos (velhíssimos) dicionários e enciclopédias empilhados sobre a estante, junto aos livros de viagens, de botânica, de arte, poemas, atlas em inglês e francês (que me fascinavam), mapas, recortes de jornais, revistas italianas, cartas de amigos e antigos documentos. Durante boa parte das nossas vidas ouvimos suas histórias, conselhos e reprimendas. Costumamos dizer que a nossa enorme cultura inútil se deve ao velho Ricardo, que deixou sua marca indelével nos netos que tiveram o privilégio de convier com ele e aprender que todo dia é dia de se fazer novas descobertas. Quem não se lembra de vê-lo recitar, com a voz embargada pela emoção, os longos poemas de Camões e de Castro Alves? Das fantásticas histórias do Rio São Francisco, quando comandou o Benjamim Guimarães, vapor construído nos EUA e que chegou a navegar pelo Mississipi? Os relatos das incursões pelas montanhas, quando se aventurou pela Serra dos Órgãos, da Canastra e Caparó, chegando a escalar a Pedra do Sino e o Pico da Bandeira? É inesquecível sua narrativa, rica em detalhes, da viagem que fez à Europa em 1948. Lá ele se encantou com a cultura local: museus, catedrais, castelos, ruínas do pós-guerra, obras de arte... Gostava de óperas e de música clássica. Leu e nos fez ler todos livros do Júlio Verne, Robison Crusoé, Dom Quixote, Os Miseráveis, O Conde de Monte Cristo...
Hoje, quando ouço expressões como busca do conhecimento, educação continuada, multidisplinaridade, não posso deixar de prestar uma homenagem ao meu avô. Homem à frente do seu tempo e que tinha consciência de que, para cada coisa que sei, há pelo menos cem que eu não sei....
JU - 31/09/2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
ai que saudade!.... Parabéns, ficou sensacional!!! bju miriam
Postar um comentário