terça-feira, 17 de junho de 2008

ÁGUAS EMENDADAS - Crônica de uma mãe urbana

"...é preciso percorrer novas trilhas do Cerrado..."

Na Semana Santa de 2003 pudemos, finalmente, ir a Planaltina, próximo do Distrito Federal, visitar o Leonardo, nosso filho caçula, na época com 23 anos, que estava fazendo o Mestrado em Ecologia na UNB e morando dentro da Reserva Ecológica de Águas Emendadas onde trabalhava no seu Projeto, com vistas à dissertação de final de curso. O Cerrado e suas árvores retorcidas, a terra vermelha, o perfume do araticum maduro e o canto dos pássaros têm realmente uma certa magia. Os lugares são lindos. A vereda de buritis, alagada pelas últimas chuvas, empresta ao lugar um certo ar de encantamento. Os pés de pequi estão por toda parte e prometem fartura nos próximos meses. Pequenos arbustos de murici, araçá e cagaita estão floridos e a espera de frutos doces e cheirosos. Há também matas de galeria, cuja vegetação mais densa e úmida contrasta com a mais esparsa, que predomina em toda a reserva. É ali que os gaviões e mamíferos mais difíceis de serem vistos vivem e se reproduzem.
Ficamos lá por três dias, fomos à área onde o Leo desenvolveu seu trabalho e pudemos ver de perto os pássaros capturados na fina rede de seda e anilhados por ele e seus colegas pesquisadores. Fotografamos os filhotes de uma coruja bem grande, que ficou de longe nos olhando ameaçadoramente, enquanto os pequerruchos eram examinados. Me diverti com os bandos de papagaios barulhentos, me encantei com o casal de pica-paus d pescoço dourado, com as tesourinhas, beija-flores e outros tantos pássaros com suas penas de colorido exuberante. Vi ninhos ocupados por pombas silvestres e seus ovos branquinhos, que foram cuidadosamente medidos e depositados no mesmo lugar de onde foram tirados, os enormes ninhos dos graveteiros, por aqui chamados de guaxos, e pude sentir toda a força de uma natureza protegida e preservada. Ouvi os relatos dos encontros com os lobos guarás, com os tamanduás-bandeira, com a suçuarana, com a cascavel e a perigosa jararaca. Vi um tatu-galinha, que se virou rapidamente e sumiu por dentro do mato entre uma nuvem de poeira vermelha e senti o quanto somos urbanos e mal preparados para esse tipo de vida. Receamos pela segurança do filho querido, esquecendo-nos que atravessar o centro da cidade ou mesmo ir para a Universidade é uma aventura bem mais arriscada que conviver com o canto dos pássaros, com os horizontes tingidos de rosa, com o calor do sol e com a doce agressividade do cerrado brasileiro. Realmente é um lugar diferente do caos urbano em que vivemos e ao qual já nos acostumamos. Sabemos que riscos existem, lá e aqui. Que viver é algo extremamente perigoso. Mas numa reserva ecológica os riscos são calculados, enquanto que na metrópole não temos segurança nem pra chegar até a esquina, com medo de um assalto ou de uma bala perdida.
Interessante notar que, apesar da grande quantidade de bichinhos como mariposas de todos os tamanhos, abelhas e vespas, formigas e besouros, lagartas e cigarras, os pernilongos e carrapatos não existem por lá. As aranhas são enormes e assustadoras e sempre dão as caras nos lugares mais escondidos da casa e mesmo no meio do mato, entre folhas secas e gravetos espalhados pelo chão.
Apesar da falta que o Leo fez em nossa casa, sabíamos que ele estava feliz, realizando um sonho e um trabalho super importante para o futuro Foi ótimo podermos partilhar com ele seu novo habitat, foi bom ver como ele encara com garra, responsabilidade e competência o trabalho pesado do campo e o trabalho intelectual exigido pela pesquisa que estava realizando. Foi muito prazeroso poder compartilhar sua alegria ao descobrir um novo ninho a ser registrado, o canto de uma ave até então desconhecida , uma pegada misteriosa na terra vermelha. E além de tudo, cozinhar, descongelar a geladeira, enterrar o lixo orgânico, separar o lixo seco a ser levado para a cidade, trancar a casa, preparar a marmita para o dia seguinte, lavar a louça, fazer as compras em Planaltina, estudar, estudar, estudar...registrar o trabalho do dia...anotar...rever anotações e ler..ler.. e ler mais um pouquinho antes de, finalmente, ir dormir. Dormir para acordar às 4 horas, vestir a roupa de campo, pegar a bicicleta e seguir, com uma lanterna na cabeça , para a área de pesquisa, que fica distante uns 10 quilômetros da casa onde morava. Ainda restavam alguns bons quilômetros de “picadas” a serem abertas com o facão, apesar dos 12 já abertos e que deixaram as mãos do rapaz cheias de calos e cortes.
Tive certeza que o nosso menino ainda tinha muito a aprender e muito mais a ensinar aos pais que não conseguem esconder o orgulho de tê-lo como filho.
Nosso filho é nosso herói!!!

Hoje, o Leo, já casado, está na reta final do doutorado, aqui mesmo em Belo Horizonte e além de se embrenhar no Cerrado, curte a Mata Atlântica, a Amazônia, o Pantanal... Onde houver um passarinho, lá estará ele, com sua ensebada cadernetinha de anotações, o GPS, o binóculo, a espingarda de chumbinho e toda a disposição necessária pra se fazer ciência nesse país ....

Um comentário:

Graziela Esteves disse...

Nossa tia, já faz tanto tempo assim?? Foi em 2003 né? Lembro que eu e o Jair tb fomos nessa casa que ele estava morando, tiramos fotos e comemos um bolo de pequi feito por ele, não foi isso??
Bjs.