domingo, 16 de setembro de 2007

Gastronomês

" Em conversa de gourmets, tudo pode acabar em terrine"


Como já falei anteriormente, ser cozinheiro está na moda e a sofisticação chegou às raias do ridículo. Broto de feijão virou moyashi, palito japonês agora é hashi, cogumelo é funghi, bolinho de chocolate é o petit gateaux e o prosaico vinho tinto ganhou ares refinados. Agora é bordeaux. Isso, sem falar no prosecco, que de champagne não tem nada. Claro que a gastronomia sempre foi cheia de nomes franceses e italianos, mas o gastronomês, realmente é uma língua complicada, difícil e que requer anos de estudo.
Cansado de ficar horas e horas ouvindo os novos gourmets falando um linguajar que não é para qualquer mortal entender, meu amigo inventou um recurso que deixa todo mundo com a pulga atrás da orelha. Combina de antemão, com o cunhado ou companheiro de mesa, e quando, inevitavelmente, o assunto vem à tona, ele se sai com essa frase, sempre de modo casual, sem qualquer afetação:- E quando é troblado no alfengue? O interlocutor, conhecedor da artimanha, diz sem pestanejar: - Fantástico! A impressão é que os sabores são despertados de um sono profundo. Troblar não é pra qualquer um. Os companheiros de copo e de vinho, ficam a se entreolhar, mas nenhum dá o braço a torcer. Requer um certo refinamento. Há um silêncio constrangedor até que um resolve se arriscar: - E o alfengue? Meu amigo é rápido ao responder, sem dar chance a outra pergunta: -Prefiro o importado. O nacional é meio insosso. Mesmo quando se trobla muito bem, fica um sabor meio estranho. Ao que o cúmplice completa, sem pestanejar: - Mesmo em fogo brando.... o melhor mesmo é o iraniano. Essa guerra do Bush tem trazido dificuldades ao mercado, mas a gente sempre consegue. Agora, com a baixa do dólar...
E assim vão até que ou os amigos mudem de assunto ou alguém pergunta descaradamente o que é aquilo que eles estão falando.
Bem... aí acaba a brincadeira, em meio a sorrisinhos desapontados e ou a gargalhadas sonoras. Depende dos gourmets reunidos naquela mesa.

Esse post vai para o Bruno, profundo conhecedor do gastromês clássico.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Lugar de homem é na cozinha

"Cozinhar bem é como criar uma obra de arte. Quem gosta de cozinhar, também gosta de inventar"

Desde muito cedo que transito pela cozinha com mais desenvoltura que pela sala de visitas. Minha avó, minha mãe, meu pai. Todos gostavam da lida. Muitas vezes vi amigas me olhando de lado, como se eu fosse uma espécie em extinção. Hoje, finalmente estou na moda. Em qualquer festa, reunião, revista semanal, novela da Globo, jornal escrito ou televisado, canal a cabo ou almoço em família o assunto está presente.
A cozinha que conheci quando criança era simples, os ingredientes comprados na esquina e a dona da casa punha a mão na massa. Literalmente. Minha mãe fazia a massa do macarrão em casa, minha avó era perita no pudim de pão, doce de laranja da terra, pé-de-moleque. Meu saudoso pai, filho de uma italiana de Ferrara, modelava os capelettis um a um, por ocasião do Natal.
Hoje é cada vez mais comum um homem envolvido com a culinária. Meu avô tinha orgulho em dizer que jamais fizera um mísero chá, pois cozinha era território feminino. Movidos por prazer, vaidade ou desejo incontido dos elogios que certamente virão, muitos já trocaram o paletó e a gravata pelo fogão, que pilotam com competência e paixão.
Ligo a tv e vejo o francês Olivier Anquier fazendo pratos da culinária tupiniquim, o inglês Jammie Oliver preparando uma feijoada brasileira e o mestre Alex Atalla misturando foie gras com tucupi, ou fazendo tapioquinha com calda de bordo. Em todos os canais abertos temos programas e mais programas dedicados ao assunto. A variedade inesgotável de ingredientes que estão à espera dos mais ousados no mercado é uma verdadeira festa para quem quer inventar, inovar, experimentar. Pratos requintados, complexos e cheios de truques desafiam os que são leigos. Vocábulos desconhecidos como fuê, bouquê garni, merengue, terrine, fondue, quiche, profiteroles, funghi são um verdadeiro enigma. Verbos como gratinar, saltear, degustar, flambar, harmonizar, aromatizar e clarificar fazem parte das conversas nas confrarias de gourmets espalhadas por aí. Ingredientes até bem pouco tempo desconhecidos, como aceto, cheddar, anchovas, radichio, broto de alfafa, trufas e escargots se encontram facilmente no "mercadão" ou nos sacolões. Também as carnes raras como as de avestruz, javali , jacaré faisão ou vitela. Queijos amadurecidos nas cavernas francesas ou italianas (suíças, talvez). Os temperos vêem de todo o planeta. O curry da India, as pimentas da Jamaica, da Calábria ou da Síria, o orégano do Chile, as sementes de mostarda da Holanda, o cominho do Peru, o cardamomo dos países árabes juntaram-se aos nossos temperinhos como alho, sal e pimenta do reino. Frutas exóticas como o tamarillo, curuba, physalis e a pitaya estão chegando da Colômbia para enfeitar as saladas e sobremesas mais elaboradas.
Todos os dias ouvimos um novo chef adjetivar cafés, vinhos, azeites, queijos ou cervejas com palavras antes só utilizadas quando se falava de mulheres. Observem. Delicadeza, graça, sutileza, finura, primor, perfeição, perfume, textura....
O mundo culinário e gastronômico cada dia ganha ares mais sofisticados. Restaurantes de todo o planeta dão uma idéia clara de globalização. Os mexicanos com guacamoles picantes, os japonese com sushis delicados, os árabes e seus petiscos perfumados com hortelã, os espanhís e os tapas deliciosos, italianos, chineses, tailandeses, iranianos, argentinos, espanhóis ... Uma verdadeira overdose de nacionalidades.
A Internet é um mundo à parte quando se fala em arte culinária. Os novos livros lançados, equipamentos para a cozinha, ingredientes sofisticados, banco de dados com milhares de receitas, entrevistas com grandes e famosos chefs deixam-nos a certeza que o assunto é inesgotável. A história da culinária remonta períodos biblicos, quando a alquimia do pão, do azeite e do vinho já eram preocupações humanas. Essa história, se não me engano começa com os chineses, depois com gregos, romanos...
Filmes como A Festa de Babette; Chocolate; Vatel, o Cozinheiro do Rei e tantos outros nos convidam a celebrar a cozinha como o lugar onde os aromas, os sons, os sabores, as cores e texturas desafiam e excitam nossos cinco sentidos.


Este texto é para o Felipe e suas dúvidas quanto ao futuro, que chega mais rápido do que nossa vã filosofia pode supor.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Será que é tão fácil?

" Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca as ideias." Pablo Neruda



E... parece fácil. Mas tem dias em que a letra maiúscula e o ponto final estão ali, prontos para lhe ajudar na tarefa de escrever. Mas, as ideias.... Essas não chegam, não se constroem, lhe confundem. Estou pensando que se fosse a editora de um jornal seria fácil. Posso escrever a primeira página, com as manchetes de sempre: Renan, Bush, Bagdá, Osama, Lula, traficantes, polícia federal, morte nas estradas... Fácil. Letras grandes, fotos recentes ou de arquivo. Tanto faz. As noticias e os personagens são sempre os mesmos. O olhar é que muda.Depende do momento, do estado de espírito.
Sei que escrever não é tão fácil assim. É , como já li em algum lugar, dez por cento de inspiração e noventa por cento de transpiração.
Há que trabalhar. Suar a camisa...

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Palavra Leve

"Palavras são animais esquivos, ora belos, ora mortais. Ninguém os domestica de verdade, ninguém consegue fugir do seu poder. Mas nem sempre sabemos o poder que elas têm e concedem." Lya Luft

Acredito firmemente que as palavras têm alma. Têm sentimento... E têm poder. Podem ser bonitas e feias. Grande, pequenas, mínimas. E nem por isso deixam de expressar o que está no coração de quem a diz. Um OH! pode significar surpresa, alegria de um reencontro, medo, espanto, decepção... Depende de quem e de como é dita essa palavrinha. As palavras que são como pedras de atiradeira podem ferir de morte quem as ouve: inveja, fome, solidão, vingança.
Algumas palavras são tão antigas que quase perderam o sentido. Formidável, motorneiro, radiola, combinação, anágua, alfaiate, datilógrafo... Outras são palavras leves, como meiguice, neném, bombom, mal-me-quer, amor-perfeito, beija-flor...
Se procurarmos direitinho, bem lá no fundo do nosso dicionário interno, vamos descobrindo palavras que consolam, que acalmam, que excitam, que magoam, que enfurecem, que divertem, que provocam gargalhadas e que nos fazem sonhar sonhos de estrelas, de luar, de mar azul....que já são outras palavras, cheias de significados...

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

BÁLTICO - Zanzando pelo Báltico

Este é o título de uma crônica do Affonso Romano de Sant'Anna, publicada no Jornal Estado de Minas , em 26/08/2007

Não pude me conter ao ler a descrição da viagem do cronista que percorreu o mesmo roteiro que nós, em maio de 2005. Então lhe enviei um e mail, que ele gentilmente respondeu.
Ele diz que "quando a gente viaja, deveria, como a jibóia, na volta, ficar à toa só digerindo o que assimilou." E não é que ele tem toda a razão? Como não ficar pensando, revendo fotos, contando para os amigos mais pacientes as nossas experiências de turista? O que comemos, como vivem os povos de tão longe, quais as dificuldades que encontramos com a língua, com os costumes, que o frio é inacreditável, o medo do desconhecido, as risadas que demos, as gafes cometidas?
Eu tenho o hábito de fazer um diário de qualquer viagem, por mais curta que seja. E isso é interessante, principalmente porque passado algum tempo, pequenos detalhes nos escapam. A memória falha e perdemos aquilo que nos foi tão prazeroso naquele momento. Estando registrado podemos novamente viajar, sonhar, rir das bobagens acontecidas, nos emocionar outra vez.
Todo o esplendor de São Petersburgo, o fantástico Museu do Ermitage, as fortalezas, as cúpulas douradas dos palácios e catedrais, o azul profundo do Rio Neva, as praças monumentais e toda a história russa me voltou à memória ao ler a crônica do Affonso Romano. Reli então, com carinho, as minhas anotações e me deliciei ao recordar a magnífica viagem que fizemos, conhecendo os caminhos do Báltico, sentindo no rosto os ventos gelados vindos do Pólo Norte e vivenciando dias que não acabam nunca, pois só escurece depois da meia-noite e duas horas depois já começa a clarear o céu do outro lado do mundo.
Com certeza, a melhor viagem sempre será a próxima.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

VIDA VIVIDA

"Fiz um acordo de coexistência pacífica com o tempo. Nem ele me persegue, nem eu fujo dele. Um dia a gente se encontra".

Em 1991 ouvi o grande Mário Lago dizer essa frase durante uma entrevista e nunca mais me esqueci dela.
Há pessoas velhas que viveram poucos anos e, o contrário também é verdadeiro: pessoas que já viveram muito e são jovens, muito jovens. São aquelas que reafirmam que a vida começa a cada ano que passa. Que semeiam a esperança em cada palavra, em cada gesto. São aquelas que recriam os sonhos e dizem palavras total e absurdamente novas. Que redescobrem a coragem de ter ilusões. Que mantêm a capacidade de extasiar-se perante o mundo. Que já se livraram do medo, da angústia e da melancolia. Que não mais se envergonham da emoção mais pura e, derramam lágrimas, com a maior tranquilidade de uma criança. A alegria de viver é seu lema. O otimismo a sua bandeira.
Apesar das oito ou nove décadas vividas, elas acreditam que podem dar um passo, um salto para o futuro, para a mudança, para o novo, para a reinvenção. Aceitam desafios, acolhem as limitações, buscam descobrir o sabor da eternidade.
Essas pessoas sabem como ninguém, que o bom da VIDA é saber retirar dela os momentos que a tornam maravilhosa...

Este texto eu dedico à Dulce Esteves, guerreira invencível de grandes batalhas.

Julieta/ 04/09/2007

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Belo Horizonte

" Assim vou por Belo horizonte: mancando. Uma perna bate com dureza no piso presente. A outra procura um apoio difícil nas pedras antigas." Paulo Mendes Campos

Para quem conhece cidades milenares, Belo Horizonte com seus cento e poucos (pouquíssimos) anos, parece uma criança. Mas é a minha cidade. Largas avenidas, prédios modernos, lugares que só nós, os belorizontinos, conhecemos. Dizem que BH não tem grandes apelos turísticos, mas seu complexo hoteleiro é excelente. A orla da Pampulha e todo o complexo arquitetônico projetado por Oscar Niemayer são dignos de uma visita. A Igrejinha de São Francisco com curvas que lembram as serras mineiras, as pinturas e mosaicos de Cândido Portinari e os jardins de Burle Marx são de grande beleza. O Mineirão e o Mineirinho, a Casa do Baile, o Museu de Arte Moderna e a Fundação Zoo Botânica, moderna e bem cuidada surpreendem os visitantes. Ali perto, o Campus da UFMG merece ser visitado, pela sua grandiosidade. Ela foi considerada a melhor do Brasil, na última avaliação realizada pelo MEC.
A Serra do Curral protege a cidade, apesar das mineradoras e da especulação imobiliária já terem desfigurado seu perfil original. A Praça da Estação Ferroviária e o antigo relógio no alto do prédio em estilo eclético são o ponto alto desse espaço hoje bastante utilizado para eventos populares. Logo ali pertinho estão a Casa do Conde de Santa Marinha, a Serraria Souza Pinto e os Viadutos da Floresta e o de Santa Teresa, com seus arcos de poesia. Digo poesia, porque nos anos 30 e 40, serviram de palco para as aventuras de jovens românticos, como Drummond e seus amigos do Encontro Marcado.
O centro da cidade abriga jóias arquitetônicas como o Automóvel Cube, o Conservatório Mineiro, o Palácio da Justiça. Isso sem falar no moderno Palácio das Artes, plantado no Parque Municipal, com suas árvores centenárias e o grande lago com pedalinhos e canoas, o orquidário municipal, o Imaco, o Teatro Francisco Nunes.
A Praça da Liberdade, além das flores multicoloridas, coreto e fontes luminosas, abriga um acervo de belos prédios como o Solar Narbona, o Palácio do Governo e as Secretarias de Estado.
Beagá não tem MAR, tem BAR. E como tem! O festival de Comida de Boteco mostra toda a criatividade culinária das Minas Gerais e a grande disposição do mineiro de jogar conversa fora na mesa de um botequim. A gastronomia mineira e internacional tem seu espaço garantido nos ótimos restaurantes de cidade. Os bares do Mercado Central são os mais tradicionais. O fígado acebolado com jiló e a cerveja gelada são uma espécie de religião para os frenqüentadores dominicais. O colorido e o cheiro do mercado são marcantes: os queijos, a pinga, a linguiça, as pimentas coloridas, os doces, as flores...
A Feira de Artesanato acontece aos domingos na Avenida Afonso Pena e reúne mais de três mil e quinhentos expositores, fazendo com que seja considerada uma das maiores do Brasil. O Barro Preto e seu Pólo de Moda traz a Beagá muitos compradores de outras cidades e até do exterior.
A cidade se destaca pelas suas inúmeras opções culturais, que passam por peças de teatro, eventos literários, exposições, festivais e recitais e toda gama de manifestação artísticas nacionais e internacionais.
Belo Horizonte hoje enfrenta os problemas característicos das grandes metrópoles brasileiras, mas ainda é um ótimo lugar pra se viver.