sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Palavras Novas


"No texto e no contexto, muitas vezes as palavras têm o significado que damos a elas."




Na idade média, os religiosos e nobres que habitavam a parte sul da região de Vovôva, viviam obcecados pela idéia de que um dia, talvez não muito distante, todos seriam destruídos por violentos pagungos que viriam do céu, como uma praga anunciada, decididos a acabar com tudo e com todos.


Não sabiam como evitar a catástrofe que se avizinhava. Consultaram a tenebrosa Colêta que , por sua vez, recorreu à poderosa Gogôga. Depois de se entregarem febrilmente aos seus antigos pergaminhos e às poções encantadas, nada descobriram. Não tinham o que sugerir aos donos das terras para barrar a destruição.


Macaias já voavam, lúgubres, sobre as cabeças, das pessoas esperando o banquete macabro. Homens e mulheres corriam contra o tempo. E era mesmo uma questão de tempo. Mais dia menos dia, tudo viraria pó. Não tinham mais esperança, não tinham mais alegria.


Eis que um dia, chega àquelas terras um passodinho, montado num cavalo branco. Era forte, tinha um olhar inteligente... Mais parecia um príncipe que um guerreiro.


Procurou imediatamente as autoridades locais e, acompanhado pelo fiel e gigantesco escudeiro da antiga etnia funfunka, propôs a solução para o problema que parecia insolúvel: Os pagungos seriam destruídos pelo fogo, tão logo chegassem à região.


E, assim, reuniram o povo na praça e construíram imensas tochas, usando velhos trapos e todo o azeite que puderam reunir, como combustível. Logo que os pagungos se aproximam, as tochas são acesas e tem início a terrível batalha.


O cheiro de carne queimada e a fumaça das tochas ainda são visíveis , mas todos os invasores são destruídos. Algumas pessoas morreram, muitas estão feridos, mas agora, o medo e o desespero já não fazem mais morada naquelas terras. O passodinho e seu escudeiro são aclamados pelas ruas pela bravura com que enfrentaram a ameaça com a idéia do fogo. Tão simples e tão eficaz.




Todas as palavras em vermelho só existem na linguagem que, pouco a pouco, a Isabela de 3 anos (e que já domina o português) vem construindo. Ela sempre diz essas aqui escritas e outras que não me lembro.. CRIAR UMA LÍNGUA NÃO É TAREFA FÁCIL ... Mas ela ainda chega lá.


quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Dia das Bruxas

" A mediocridade não reconhece nada melhor do que ela mesma." Sir Arthur Conan Doyle


Estou me lembrando que há uns três anos, desenvolvi um Projeto com meus alunos da periferia sobre o "Dia das Bruxas". Contamos todas as fantásticas histórias onde as bruxas aparecem encantando princesas, transformando príncipes em sapos ou feras, fiscalizando dedinhos para ver se o menininho havia engordado, adormecendo donzelas, aprisionando mocinhas nas altas torres de castelos assombrados.
Assistimos filmes divertidos, falamos do Harry Potter (ainda no segundo volume), rimos com as trapalhadas da Madame Min e o Mago Merlin...
Escrevemos histórias, desenhamos, demos asas à imaginação... No Dia das Bruxas, sentados no pátio, à sombra de uma árvore ainda com as flores da primavera, escavamos uma enorme abóbora e fizemos a famosa lanterna do Halloween. Aprendemos sobre a origem da comemoração, ficamos sabendo de outras culturas, outros povos, outras terras. A abóbora foi levada de sala em sala e todas as crianças da escola puderam aprender um pouco sobre essa festa divertida. Cantamos algumas musiquinhas das histórias contadas, montamos um painel, pintamos bruxas feiosa, de chapéu ponteagudo, caldeirão, morcegos e lagartixas.
No dia seguinte, fiz um doce gostoso, temperado com cravo e canela e as crianças se fartaram com o sabor e a cor alaranjada da ex lanterna esculpida no dia anterior...Também, no dia seguinte, ouvi comentários sobre a festa do Mal, da heresia de se convocar espíritos baixos, de não valorizar o que é nosso.
De agora em diante o melhor é fazer festa pra Saci Pererê e jabuticaba, que são as únicas coisas totalmente brasileiras. Pensando bem, Saci tem uma conotação demoníaca e incomoda os fanáticos de plantão. O melhor é só ensinar sobre a jabuticaba.
Ontem fiz uma lanterna de abóbora para a minha neta, que ainda não fez três anos. Quero que ela entenda o mundo de uma forma mais divertida, mais leve... Sem censura religiosa, sem ideologia barata, sem patrulhamento nacionalista. Alegria e bom humor não têm pátria nem crença. São de todo o MUNDO.
Esse post vai para todas as bruxas que conheço, inclusive uma que mora na Tijuca e detem os poderes da sedução.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Recordar é Viver

" Amigos podem, com sua palavra e companhia, despertar ilusões e desejos de conhecer toda a magia do mundo."

Eles já vinham nos convidando, há tempos, para uma ida a São Roque e, no último encontro ficamos combinados que, no Carnaval, iríamos para o sítio que eles possuem próximo à São Paulo.

Já que convidaram, lá vamos nós... E vamos “de galera”. Uns vão de carro e, nós , de ônibus. Com direito à baldeação em Sorocaba. A rodoviária de BH estava simplesmente intolerável. Milhares de pobres brasileiros à beira de um ataque de nervos, indóceis, a espera dos ônibus que, definitivamente, não conseguiam vencer os engarrafamentos, já que todos queriam viajar ao mesmo tempo para aproveitar o feriadão de Carnaval. As plataformas de embarque apinhadas de gente. Sentados nas bagagens, homens (será?) se massageando sensualmente, mulheres gordas querendo matar os fiscais e embarcando na “marra”, pessoas estacionando enormes malas sobre os nossos pés, sem contar os inúmeros carnavalescos completamente alcoolizados que infernizavam a vida de todo mundo. O stress tomou conta de passageiros, fiscais e motoristas diante do caos instalado. Os ônibus saindo com duas, três horas de atraso. Terminada a maratona da rodoviária, a viagem seguiu normalmente, apesar da estrada bastante movimentada.

Próximo ao Anhembi o trânsito “engessou” de vez. Para nossa alegria e regozijo de alguns passageiros, as Escolas de Samba do Primeiro Grupo estavam acabando de desfilar e centenas de integrantes da Nenê de Vila Matilde se acotovelavam nos ônibus para voltar à periferia. Baianas, piratas, descobridores, príncipes e navegantes, índios, fantasmas e passistas seminuas davam o ar da graça, apesar de visivelmente cansados. O sol forte e o trânsito lento foram minando a nossa paciência, que nessas alturas já era escassa. Mais à frente, centenas de carros desciam para o litoral entupindo a estrada e aumentando a morosidade da viagem. Só por volta das nove horas chegamos a Sorocaba, onde embarcamos para São Roque.

O dono da casa foi nos buscar e logo, logo chegamos ao paraíso. A casa é ampla é decorada com o bom gosto característico da nossa anfitriã. Plantada entre extensos gramados, bem cuidados jardins e um pequeno bosque. A velha e florida quaresmeira se enfeitou de rosa para brindar a nossa chegada. Lá embaixo o azul da piscina em meio ao verde das plantas convidava para um mergulho. A área da churrasqueira, sauna e banheiros é localizada em um grande espaço com piso de ardósia. Mesinhas, cadeiras e simpáticos banquinhos forrados de couro convidam ao relax. Um balcão sugere a cerveja bem gelada, servida quase que imediatamente proprietário do paraiso. E é nesse espaço que anfitriões e convidados exercitam seu esporte favorito e a grande pedida da temporada é jogar conversa fora. O caseiro, antigo bar-man, nos preparou coquetéis de vinho tinto e champagne, eu fiz um macarrão seguindo uma receita da Beá, mas o carro-chefe do almoço foi mesmo o churrasco, feito com pompa e circunstância pelo chef . Desnecessário dizer que tudo isso foi acompanhado de cervejas, cervejas e mais cervejas super geladas.

Quase ao anoitecer a chuva começou a cair de mansinho. Mais tarde continuamos a conversa sentindo o aroma do orégano e queijo vindo das pizzas que assavam lentamente.

Lá pelas cinco e meia da manhã acordei e fiquei na varanda, estirada na rede curtindo o belo jardim, vendo um pica-pau, no alto de uma árvore batucando com o bico tronco endurecido.
Saímos logo após o café para o sítio de outros amigos. Uma luxuosa casa em fase final de construção numa área cercada de pinus e araucárias. Chope direto de uma chopeira dourada fez a alegria dos rapazes. O churrasqueiro contratado, especialista em carnes, nos deixou encantados com a habilidade no trato com as picanhas, lingüiças, costelas e lombos. O vinho italiano, geladíssimo, as uvas e ameixas frescas, salada verde de verdurinhas colhidas no dia nos seguraram à mesa por várias horas. Jogamos sinuca, conhecemos a criação de cabras e a cultura hidropônica, que é o chamego do dono que, aposentado, pode curtir esses raros prazeres. Só após outra rodada de pôquer, mais chope, charutos, golinhos de grappa, licores fantásticos, café expresso acompanhado da enorme simpatia dos nossos novos amigos, é que conseguimos, finalmente, tomar o rumo da Rodovia Raposo Tavares. Após nos perdermos e nos acharmos, chegamos ao sítio. Entre bêbados e perdidos acabamos encontrando o caminho ...

Logo na chegada uma das “meninas” protagonizou uma cena de “aracnofobia” e eu demonstrei extrema coragem ao exterminar com inseticida uma monstruosa aranha que invadira os aposentos da ex donzela recém casada. Na verdade o terror só não foi maior que o pânico demonstrado pelas crianças com a aparição de um demônio vermelho soltando fogo pelas ventas. Só se acalmaram ao descobrirem que o tal capeta não era senão o dono da casa com uma máscara de látex, comemorando o carnaval e recordando bons momentos da infância.

Todos querem aproveitar as últimas horas e não se cansam de recordar os fatos do passados, a infância difícil, a escola, a convivência com os primos, os casos engraçados, a avó – pessoa que marcou a vida de todos - os namoros de antigamente...

Nosso anfitrião, para ter realmente a certeza que iríamos embora, nos levou até Sorocaba onde embarcaríamos rumo a BH.

O carnaval de 2000 foi marcado pelo carinho com que fomos recebidos, as conversas ao pé da lareira, os banhos de piscinas, o churrasco, as boas risadas e os inesquecíveis momentos que passamos junto àqueles que queremos tão bem.

Esse post vai para o Kiko, agora em terras africanas e para a Beá que está em Sampa - amigos de fé. E para a Zélia, onde quer que ela esteja.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

ORQUÍDEA - FOTO


Essa orquídea estava seca e maltratada na casa de uma tia que não sabia como cuidar dela. Replantei-a numa velha bota e, agora, 3 anos depois ela está toda florida. Viva a natureza!
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sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Orquídeas

"Pra que lado sopra o vento? É uma brisa.
Arejado frescor, de orquídea em flor."

Volta e meia ganho um vaso de orquídeas. Adoro, mas não entendo nada dos mistérios dessa flor tão complexa quanto bela.Nosso amigo pantaneiro, incentivou-me a começar organizá-las. Então prendi algumas numa árvore grande que tinha bem na frente daquela rampinha que dá acesso à minha varanda. Raramente elas floresciam. Assim mesmo, timidamente, lá no alto. Não dava pra sentir seu toque aveludado, seu perfume exótico, sedivertir tentando encontrar uma figura no seu miolinho. Num dia de tempestade essa árvore rachou e precisou ser derrubada. Meu filho, de improviso, retirou as orquídeas, prendeu de qualquer jeito em alguns pedaços de xaxim e pendurou-as debaixo da minha cerejeira, na parede dos fundos da casa. Para nossa surpresa elas adotaram aquele lugar como sua casa e começaram a dar muitas e lindas flores. Sempre tenho um vaso florido. Fico toda orgulhosa! Elas não dão trabalho. O suspense é grande quando descubro algum botão. Demoram meses para desabrochar e mostrar suas cores e perfume. Nunca sei como serão as flores. Grandes? Pequenas? Brancas? Rosadas? Agora mesmo estou de olho em duas que, daqui há um tempo, vão me surpreender com toda a certeza.

Uma, bem pequena, meio esverdeada, delicada como ela só, tem cheiro de Gelol, uma outra exala forte aroma de chocolate e , vejam só, é marronzinha como uma barrinha da Nestlê...

Na Clínica de Fisioterapia tem um senhor, o nome dele é Paulo, que conversa muito comigo durante os penosos exercícios e tem me ensinado alguns segredos dessas plantas. Uma gosta de água gelada, outra, se polvilhada mensalmente com canela em pó fica mais perfumada, outra não suporta umidade, aquela tem de ser mantida longe de qualquer tipo de terra... Caprichosas, as mocinhas! Começo a colocar em prática o que vou aprendendo. Só não consigo, e acho que também não quero, saber nomes, famílias e gêneros... Sou amadora.
Essa semana mudei algumas para vasos e cestas, usando argila expandida, gravetos de pinho, farinha de osso e torta de mamona. Fiquei espantada ao descobrir que já tenho mais de vinte vasos... Vou começar a fotografá-las para saber qual é qual. Aí não vou mais ter tanta dúvida. E, com certeza, o elemento surpresa vai acabar. Será que vale a pena?

Esse texto vai para o João, que lá no Pantanal, cultiva tão belas flores. E para o senhor Paulo, paciente professor dos caprichos dessa flor ...

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Noite Italiana

" Reunir os amigos em volta da mesa, partilhar o pão, a alegria e as experiências vividas..."

Quando as duas voltaram da primeira viagem internacional, chegaram com um brilho diferente nos olhos, mudaram o jeito de falar, de andar e de vestir. Será que, tão poucos dias longe desse mundinho tupiniquim, tem o poder de transformar tanto assim duas pessoas? É muito pouco tempo...
Será que o trânsito por aeroportos internacionais, o romantismo de Veneza, o luxo e sofisticação de Paris e o carinho recebido em Verona, tiveram o poder de deixar as duas tão diferentes?
Acho que sim.
Sei do que elas são capazes. Tenho experiência. Mas... Dessa vez surpreenderam. Disseram que foi a mais nova que fez tudo sozinha. duvidando! Foi tudo perfeito demais. Devem ter contratado uma assessoria especializada.
Quando eu digo tudo, é TUDO mesmo! A mesa arrumada com a toalha xadrez com as cores típicas das melhores cantinas italianas, os pães rústicos, os queijos já cortados com estilo sobre a tábua, as uvas, os vinhos...
Os amigos foram chegando e se achegando à mesa farta. Timidamente, escolhiam uma cadeira, começavam a bebericar nas taças de cristal, tiravam lascas do queijo, elogiavam a bebida.
Um dos amigos, enólogo praticante, se intimidou com os vastos conhecimento do dono da casa sobre a formação geológica dos vinhedos nacionais, o microclima como fator predominante na excelência de algumas uvas, o tempo de maturação dessa e daquela casta, as características de cor e sabor, o aroma e o corpo dos chilenos e seu tanino marcante, as melhores safras dos argentinos da região de Mendoza... E os adjetivos? O que seria dos vinhos sem os adjetivos? Sutil, agudo, delicado, masculino, amadeirado, frutado, jovem, leve, intenso...
Alegria! Acabam de chegar da cozinha, as brusquetas, preparadas com técnica italiana, azeite extra-virgem, tomates, alho, manjericão e calabresa... Fumegantes. Deliciosas.
E a conversa corre solta. Acredito que o vinho contribui para soltar a língua e aquecer a alma. Ajuda a esquecer que o dólar subiu, o avião caiu, a Bolsa despencou, o Lula discursou e a Evi casou e mudou....
E é graças a ela é que hoje estamos aqui neste festival gastronômico. Foi uma overdose de sabores. A “pasta” divina, no ponto certo de cozimento, quente como deve ser, o tempero perfeito, o aroma sutil do Marsala misturado ao manjericão... Nessa hora, o assunto foi minguando. Todos muito ocupados em conseguir enrolar no garfo o spaguetto. Claro que ninguém se atreveu a cortá-lo com a faca. Seria um sacrilégio imperdoável.
Acha que acabou? Nada disso, lá vem a menina, já com jeito de “mamma”, toda poderosa, trazendo o sorvete e as caldas de mirtilo, lampone e morangos. E ainda tem o vinho próprio da sobremesa. Doce, requintado, dourado...
Será que o enólogo de plantão concorda com esses adjetivos?
No final ainda presenciamos a entrada triunfal de um bolo de aniversário para uma das convidada, parabéns pra você, presente e abraços.
Eu disse que elas mudaram... E mudaram mesmo. Agora não recebem mais com sotaque do norte de Minas, com aquele jeito doce de quem veio de lá. O sotaque agora é outro. Vem do outro lado do Atlântico.
O coração , no entanto, veio maior, compartilhando com os amigos a alegria das novas terras recém descobertas...


Este texto foi escrito em 18/08/2007 e vai para a Marlene e Ana Paula, duas meninas que trouxeram da Europa , a Itália guardada num cantinho do coração.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Crônica de uma Mãe Urbana

"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é CORAGEM" Guimarães Rosa


Na Semana Santa de 2003, finalmente, fomos para Planaltina, próximo do Distrito Federal, visitar nosso filho caçula, que estava morando na Reserva Ecológica de Águas Emendadas onde desenvolvia seu Projeto, com vistas à sua dissertação do Mestrado.
O cerrado e suas árvores retorcidas, a terra vermelha, o perfume do araticum maduro e o canto dos pássaros têm realmente uma certa magia. Os lugares são lindos. As veredas de buritis, alagadas pelas últimas chuvas, empresta ao lugar um certo ar de encantamento. Os pés de pequi estão por toda parte e prometem fartura nos próximos meses. Pequenos arbustos de murici, araçá e cagaita estão floridos a espera dos frutos doces e cheirosos. A vegetação mais densa e úmida da mata de galeria contrasta com a mais esparsa da reserva. É ali que os gaviões e mamíferos, mais difíceis de serem vistos, vivem e se reproduzem.
Fomos à área onde o Leo desenvolve seu trabalho e pudemos ver de perto os pássaros capturados na fina rede de seda e anilhados por ele e seus colegas pesquisadores. Fotografamos os filhotes de uma coruja bem grande, que ficou de longe nos olhando ameaçadoramente enquanto os pequerruchos eram examinados. Me diverti com os bandos de papagaios barulhentos, me encantei com o casal de pica-paus do pescoço dourado, com as tesourinhas, beija-flores e outros tantos pássaros com suas penas de colorido exuberante. Vi ninhos ocupados por pombas silvestres e seus ovos branquinhos, que foram cuidadosamente medidos, outros enormes, como os dos graveteiros, por aqui chamados de guaxos, e pude sentir toda a força de uma natureza protegida e preservada. Ouvi os relatos dos encontros com os lobos guarás, com os tamanduás-bandeira, com a suçuarana, com a cascavel e com a perigosa jararaca. Vi um tatu galinha, que se virou rapidamente e sumiu por dentro do mato entre uma nuvem de poeira vermelha e, com o susto, senti o quanto somos urbanos e mal preparados para esse tipo de vida. Receamos pela segurança do filho querido, esquecendo-nos que atravessar o centro da cidade ou mesmo ir para a Universidade é uma aventura bem mais arriscada que conviver com o canto dos pássaros, com os horizontes tingidos de rosa, com o calor do sol e com a doce agressividade do cerrado brasileiro. Realmente é um lugar diferente do caos das metrópoles onde nos acostumamos a viver. Sabemos que riscos existem, lá e aqui. Que viver é algo extremamente perigoso. Mas numa reserva ecológica os riscos são calculados, enquanto que nas grandes cidades não temos segurança nem pra chegar até a esquina, temendo um assalto ou uma bala perdida.
Interessante notar que, apesar da enorme quantidade de bichinhos como mariposas de todos os tamanhos, abelhas e vespas, formigas e besouros, lagartas e cigarras, os pernilongos e carrapatos não existem por lá. As aranhas são enormes e assustadoras e sempre dão as caras nos lugares mais escondidos da casa e mesmo no meio do mato, entre as folhas secas espalhados pelo chão.
Apesar da saudade que sentimos do Leo, sabíamos que ali ele estava feliz, realizando um sonho e um projeto super importante para seu futuro. Foi ótimo poder partilhar com ele seu novo habitat, foi bom ver como encarou com garra, responsabilidade e competência o trabalho pesado do campo e o trabalho intelectual exigido pela pesquisa que estava realizando. Foi muito bom poder compartilhar sua alegria ao descobrir um novo ninho a ser registrado, o canto de uma ave até então desconhecida , uma pegada na terra vermelha: - Será um teiú? Um tatu? Um veado?
E depois... cozinhar, descongelar a geladeira, enterrar o lixo orgânico, separar o lixo seco a ser levado para a cidade, trancar a casa, preparar a "matula" para o dia seguinte, lavar a louça, fazer as compras em Planaltina, estudar, estudar, estudar...registrar o trabalho do dia...anotar...rever anotações e ler..ler... e ler mais um pouquinho antes de, finalmente, ir dormir. Dormir para acordar às 4 horas, em plena madrugada,vestir a roupa de campo, pegar a bicicleta e seguir, com uma lanterna na cabeça , para a área de pesquisa, que fica distante 10 quilômetros da casa onde mora. Ainda resta uma grande extensão de “picadas” a serem abertas com o facão, apesar dos muitos já abertos e que deixaram as mãos do rapaz cheias de calos e cortes.
Tenho certeza que ele ainda tem muito a aprender e muito mais a ensinar aos pais que não conseguem esconder o orgulho de tê-lo como filho.
Nosso filho é nosso herói!!!

Para o Leo, passarinheiro de carteirinha e viciado em biologia....